Faz parte da nossa natureza a falta de jeito para interpretar os sinais do outro. Até mesmo porque, muitas vezes, os sinais são confusos mesmo. Diante do enfrentamento de situações dolorosas podemos ficar arredios, agressivos e difíceis de conviver. Ou podemos optar pela quietude do isolamento, a fim de purgar o que dói, interpretar os sentimentos e buscar saídas. Ainda há aqueles que disfarçam tão bem, mas tão bem, que passam a impressão de serem insensíveis, donos de corações de pedra, verdadeiros icebergs humanos.
O fato é que o sofrimento é algo extremamente pessoal. Não somos capazes de experimentar as sensações alheias. Podemos, no máximo, imaginá-las, supô-las ou fantasiá-las. No entanto, precisamos respeitá-las. Ainda que imaginemos ter o direito, não devemos julgá-las; não é lícito avaliar se a maneira do outro lidar com as mazelas da vida é exagerada, distante ou inadequada. O sofrimento do outro é sim da nossa conta, o que ele faz com ele não. Mas, como somos criaturas muito estranhas, fazemos tudo ao contrário: não movemos uma palha para atenuar a dor e, ainda, achamos que somos capacitados para criticar.
A perda de uma pessoa amada é das experiências mais dolorosas, significativas e transformadoras a que somos submetidos em nossa travessia pela vida; seja porque não fomos capazes de cultivar a reciprocidade do amor; seja porque ela optou por partir e ter uma vida longe de nós ou ainda, e mais definitivo, porque ela está perdendo a vida e a morte está prestes a visitá-la.
Diante da morte, vemo-nos confrontados com inúmeras certezas, incertezas e confusões particulares. Somos levados a questionar o que temos feito com o nosso tempo. Ficamos mais receptivos a demonstrações de interesse e afeto. Passamos a funcionar num modo de economia de energia; pequenos compromissos nos escapam; o mundo em volta parece girar em descompasso com o nosso ritmo. O que antes, nos parecia natural e tolerável, passa a incomodar. Estamos à flor da pele; tudo pesa mais; fere mais; e faz menos sentido. E, quando finalmente chegamos àquele momento do dia em que nos é permitido tomar um banho, cuidar das necessidades básicas pessoais e encontrar algum repouso, o corpo está exausto; mas a mente, triste e inquieta vem conversar conosco; e a conversa é longa, lenta e complexa.
Assistir alguém que amamos concluir sua trajetória, ou estar exposto ao risco iminente do fim, faz brotar de dentro da nossa alma uma versão de nós que parece ter sido esculpida e reservada para ocasiões especiais. É uma espécie de traje a rigor para eventos de grande importância. E, assim, como aquele traje que se usa em situações de festa e comemoração, a versão destinada a fases de risco, é desconfortável, incômoda e nada prática. O sofrimento, embora visceral, é extremamente complexo. Muitas vezes, a despeito de estarmos em carne viva por dentro, não conseguimos externar o que sentimos, até as lágrimas nos abandonam diante da secura que nos vai na alma. Viramos desertos, repletos de dunas mutantes a representar nossas ondulações de humor.
No fundo, nenhum de nós está pronto ou minimamente preparado para dizer adeus. Sonhamos com um até breve; alimentamos o desejo de que a vida possa continuar existindo em outro plano. Quem sabe assim possamos encontrar sentido quando alguém nos disser “partiu porque precisava descansar”; “parou de sofrer”; está melhor do que nós”. De verdade, quem está doendo de saudade, prévia ou consumada precisa muito menos de palavras do que de algo mais concreto e palpável. É difícil mesmo encontrar o que dizer quando o outro parece estar sendo tragado por um oceano de tristeza bem ali na nossa frente. Então, quando faltarem as palavras, use os braços. Aninhe, acolha, proteja, sirva de colo ou de escudo. Não há dor que não possa ser aliviada. Não há sofrimento que ignore a força de um afeto generoso e sincero. Ofereça o que você tem de mais bonito, a sua capacidade de diluir tristezas na bênção de um longo, amoroso e paciente abraço.
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