Ternura: Amor, Afeto. Amizade. Simpatia. Piedade. Graça. Sinônimos fortes e intangíveis para colocar a Ternura no lugar que ela merece.
A metalinguagem vai a fundo quando procuramos saber mais a respeito de uma palavra tão nobre nos dicionários e dentro da gente. Visualizar o que trazemos junto ao peito com a intensidade do mesmo poema que Vinícius de Moraes, o poetinha, apelido terno e carinhoso que Tom Jobim soube lhe dar com a devoção de uma amigo.
Quando Vinícius compõe o poema “Ternura”: “Eu te peço perdão por te amar de repente/ Embora o meu amor seja uma velha canção nos teus ouvidos”… “E só pede que te repouses quieta, muito quieta/ E deixes que as mãos cálidas da noite encontre sem fatalidade o olhar extático da aurora.” – ele expõe o amor mais desprendido que alguém pode doar, sem pedir nada em troca, num ato de liberdade.
O que aconteceu hoje com esse nosso amor tão terno, gracioso e transbordante que imaginávamos um dia poder entregar em mãos destinadas a cuidar, sem preocupações com o que aconteceria quando os primeiros raios de sol invadissem a casa? Parece que nesse espaço imediatista do hoje vivemos para outros tipos de sentimentos e que algo se perdeu no meio do caminho.
Numa conversa com uma amiga, ela me disse que conheceu alguém e imaginou que fosse “amor à primeira vista”, como ainda acreditamos no poder desse ato em algumas ocasiões inexplicáveis. Olharam-se com intensidade, curiosidade e desejo, trocaram telefones, marcaram de se encontrar.
Ele foi à casa dela no dia seguinte, e em algum momento da conversa falou que gostava de café bem forte, tradicional e coado como tomava antigamente na casa da avó; ela lhe revelou que preferia o vinho, pois café não lhe caía bem no estômago. Até aí, nada a reclamar, entra na normalidade da conquista, um conhecendo o outro. As horas passaram e houve a primeira despedida. “Amanhã marcamos outro encontro. Gostei de você. ” Ele falou ofegante. ” “Está certo, vamos marcar. Me liga. ” Ela confirmou um segundo encontro.
Como encaixar tudo o que aprendeu até ali sobre paixões, companheirismo, ternura? Como colocar em prática suas experiências e as dicas que acompanhava semanalmente nas colunas de sites de relacionamentos sobre como não errar nos primeiros encontros? Tudo daria certo, tinha certeza. Ele era divorciado, falou que a relação tinha se desgastado para os dois e saíram amigavelmente, tiveram dois filhos. Parecia ser maduro o suficiente para não decepcionar uma mulher.
Antes de se verem pela segunda vez, eis que ela recebe uma mensagem dele pelo celular: “Não quero nada sério com você. ” Ela me disse que ficou pasmada com o que leu, paralisada, vendo que já começou errado. Como apostar todas as suas boas intenções em alguém que não estaria disposto a levar a frente um relacionamento a dois? Será que ele colocaria mais alguém na história? Não tinha como adivinhar. Talvez ela algum dia me fale sobre sua escolha.
E a ternura, o afeto, a amizade, a graça do amor que se preocupa e respeita o outro? O jantar a dois? O almoço do final de semana? A viagem de férias? Tudo por água abaixo. Pensamos todos.
Talvez estejamos enganados com esse fôlego dos relacionamentos mais abertos que muitas pessoas propagam por aí e dizem até que lhe fazem um bem danado e se sentem mais livres. Mas vemos que, em outras práticas que envolvem uma atenção maior com o outro, a batida é bem diferente.
A realidade é que buscamos dar voz ao nosso mundo e entender o que queremos, conquistando pessoas que saibam nos ensinar a criar essa compreensão diariamente. Queremos quem inspire o melhor de nós, leve a sério cada palavra que sai das nossas bocas e nos presenteie com o “um sossego, uma unção, um transbordamento de carícias” que Vinícius de Moraes revelou com ternura pela amada.
É assim que tudo se configura através dos tempos: queremos a ternura mais pura para reescrever dentro da gente os romances que lemos ou ouvimos, fantasiando e dando vozes e ecos para que tragam algum alento quando estivermos junto a alguém.