A vida é mágica em muitos aspectos e pode, em sua beleza e amplitude, nos surpreender com acontecimentos inesperados. Nesse caso me refiro a um encontro, romântico ou não, com uma outra pessoa, um encontro não premeditado e inesquecível. Algo que muitas vezes parece nascer do acaso, mas que na verdade é uma resposta para os nossos anseios mais profundos. E quando a vida traz para perto de nós um outro que se afina às nossas expectativas, dentro de situações coincidentes, falamos de “sincronicidade”.
Nesse ponto podemos lembrar daquele “estranho” que um dia nos deslumbrou com palavras, gestos e ações que para nós se mostraram de imenso significado. Como se a vida nos falasse através dele. Falo aqui desse encontro que muitos podem entender como um que “não deu em nada”, mas que para nós se traduziu como algo memorável e de uma força sem igual, algo que carregamos como um tesouro, dentro da gente, por toda a vida.
O conceito de “sincronicidade” foi desenvolvido por Carl Gustav Jung para definir acontecimentos que se relacionam não por relação causal, isso quer dizer que não importa se haverá uma sequência racional para eles, mas sim por relação de significado, ou seja, o essencial é o que significam para nós no decorrer de nossa vida.
Para descrever melhor a amplidão desse arrebatamento capaz de nos tirar o ar em um momento não esperado, vou falar de dois filmes encantadores que traduzem bem o conceito: “As Pontes de Madison” e “Antes do Amanhecer”.
Os dois filmes são muito especiais e merecem nossa atenção carinhosa. Resumidamente o filme “As Pontes de Madison” narra um encontro amoroso entre Francesca Johnson, uma dona de casa que mora em uma fazenda no interior de Iowa e Robert Kincaid, um fotógrafo da National Geographic, de Wasghinton, que estava pesquisando pontes fechadas e uma vez em Madison, pediu informações à Francesca.
Já em “Antes do Amanhecer” somos expectadores de um encontro entre dois jovens, Jesse e Caroline, ele americano, e ela, francesa, que se conhecem por acaso em um trem na Europa e que resolvem saltar em Viena, para juntos passarem algumas horas conversando e se conhecendo melhor até o rapaz ter que embarcar de volta para os EUA.
Esses filmes são belíssimos, sutis, delicados, muito bem dirigidos e ambos são inspirados em histórias reais. Histórias que aconteceram por acaso e que marcaram profundamente os envolvidos a ponto de saírem da memória e ganharem as telas. Esses encontros magnéticos, nos dois enredos, ocorreram como se fossem determinados pelo destino. Esses homens e mulheres precisavam de uma experiência emocional transformadora no exato momento em que se encontraram.
O filme “As Pontes de Madison” é uma adaptação do romance de Robert James Waller, romance inspirado em fatos verídicos, e o “Antes do Amanhecer” foi filmado tendo como base o encontro real entre o diretor Richard Linklater e uma jovem chamada Amy Lehrhaupt no ano 1989. Os dois se conheceram em uma loja de brinquedos na Filadélfia, quando ele tinha vinte e nove anos e ela vinte e um, e resolveram passar uma noite juntos, assim como o casal do filme.
Dias ou até mesmo horas são mais que suficientes para que uma experiência seja transformada em algo significativo e precioso por longos anos. O tempo de um evento não traduz o tempo de sua permanência em nós. A admiração e/ou o amor que nascem de uma casualidade e que crescem espremidos em um tempo contado podem se alongar por toda uma vida e isso só depende do significado desse encontro para nós.
Em “As Pontes de Madison” o envolvimento amoroso entre os personagens deu ânimo e força para que Francesca pudesse se voltar inteiramente ao cuidado dos filhos e marido até sua morte. Contudo não podemos ignorar que sempre houve nela a vontade de se unir ao fotógrafo, vontade expressa pelo pedido, em testamento, de que suas cinzas fossem jogadas juntamente com as de Robert nas fundações da ponte Roseman.
No caso de “Antes do Amanhecer” o diretor relatou ter dito a Amy, a moça que o inspirou durante horas de conversa, que faria um filme sobre o encontro que tiveram. Em entrevista Linklater admitiu que com a estreia do filme tinha esperança de reencontrar Amy, algo que não aconteceu, infelizmente, pelo fato de meses antes do início das filmagens de “Antes do amanhecer” ela ter sofrido um acidente de moto, aos vinte e cinco anos, e morrido.
Eventos carregados de sincronicidade guardam em si um deslumbre e um anseio velado por mais, contudo não precisam desse mais para se expressarem completos em significado.
Em “As Pontes de Madison” Francesca precisava ser ouvida e percebida. Ela queria um homem sensível e Robert precisava ser amado. No caso de “Antes do Amanhecer” os personagens Jesse e Celine precisavam desse encontro recheado de descobertas e significados.
Nesse ponto talvez vocês estejam relembrando um encontro único e mágico que tiveram na vida ou estejam se perguntando quando ele irá acontecer. De acordo com Carl Gustav Jung esse encontro só acontece quando nossa alma está preparada para ele, quando ela está pronta para reconhecê-lo e vivê-lo de forma plena. Esse encontro, que parece casual, nada mais é que um chamado inconsciente de todo nosso ser, da nossa alma, pela experiência desejada. No entanto, ele pode nunca acontecer se nosso interior não estiver apto.
Sabem aquela história sobre cuidar do nosso jardim para então virem as borboletas? Ela é muito significativa. E nesse ponto não nos convêm esquecer que borboletas se encantam por jardins autênticos e só se aproximam quando percebem em nós um anseio profundo por elas.
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