Essa crônica do Carpinejar foi publicada pela nossa página parceira Fãs da Psicanálise. Lá vi que diversas pessoas o entenderam como uma generalização simplista e preconceituosa. Entretanto, antes da leitura, eu gostaria de deixar claro que a nossa visão não é essa. O texto do fala de um “Quando”, como dito no título, e descreve uma situação que acontece em algumas famílias e NÃO em todas. Afinal, quando o que acontece é como o que é descrito no texto, seja o comportamento proveniente do homem ou da mulher, realmente é necessário refletir sobre a situação. Abaixo o texto para que pensemos.
Por Fabricio Carpinejar
Um homem que se finge de burro é mais burro do que um burro honesto.
O que me dói é ver um pai casar de novo e esquecer o filho do primeiro casamento. Esquecer. Nenhum cartão de Natal ou presente debaixo da lareira.
É que ganhou um herdeiro do segundo casamento, está envolvido na escolha do enxoval, no anúncio do jornal, em fumar charuto com o sogro e com aquela vaidade suprema de ostentar para sua esposa que é experiente e sabe segurar a criança.
Ele apaga a casa anterior — com o que havia dentro dela — e se apega à casa recente. Entende que sua criança ou adolescente cresceu o suficiente para não depender mais dele. Nenhum filho cresce o suficiente para ser órfão de repente, não importa a idade.
Aquele filho a quem amava e criava com zelo, a quem aconselhava e trocava as fraldas passa a existir somente como uma pensão, uma linha do seu contracheque. Não pergunta. Não telefona. Não se encontra fora de hora. Está muito ocupado criando um bebê. O que dá para entender é que ele não ama o filho, mas a mulher com quem se encontra no momento. Faz qualquer coisa para agradá-la, inclusive negar a paternidade do primeiro casamento.
É do tipo ou tudo ou nada, ligado à figura masculina patriarcal, que oferece e tira conforme suas vantagens. Não é bem um pai, mas um latifundiário emocional, desconfiado, sob permanente ameaça de invasão de suas terras.
Mãe é diferente, sempre se elogia quando menciona seu filho. Mareja os olhos ao mexer na gaveta das camisas, coleciona bilhetes e desenhos, inventa uma porção de neologismos no abraço. Não se guarda para depois, para um melhor momento, está disposta a conversar pressentimentos e costurar recordações.
Pai costuma se omitir no momento do desabafo. É comedido demais para estar vivo. Troca de personalidade, de residência, de amor, o que precisar, no sentido de prevenir a sobrecarga de problemas. Para namorar, ele some por meses (exatamente o contrário da mãe, que administra o final de semana com o apoio da babá e da avó). Homem ainda não conseguiu conciliar sua vida profissional com a afetiva. Não é capaz de unir nem a vida afetiva pregressa com a vida afetiva atual. Cuida de um afeto por vez.
Pai não forma sindicato, não cria associação. Continua defendendo que ninguém tem o direito de se meter na vida dele e converte em inimigos os amigos que insinuam sua indisposição filial.
Ele se separou de uma mulher, não do seu filho, mas culpa o filho porque não consegue completar uma frase com a ex. Parte do princípio de que ajudando o filho está ajudando a ex. Gostaria de matá-la, mas então se mata para o filho.
Ou entende que seu filho deve procurá-lo, cria paranoias e neuroses para aliviar sua culpa. Age como um ressentido, fala mal do filho do primeiro casamento para a mulher do segundo casamento, alegando ingratidão. E a mulher do segundo casamento concorda com o absurdo porque está preocupada com o nenê e deseja a exclusividade do marido. E não entende que um irmão depende do outro irmão, que uma família não cresce por empréstimos.
Homem tem que aprender a sofrer em público, sofrer por um filho o que sofre por uma dor de cotovelo, apanhar das cólicas e da coriza, desabar numa mesa de bar, beber interurbanos, fechar a rua e o sobrenome para encurtar distâncias, chorar nas apresentações escolares, fingir abandono a cada despedida, para só assim mostrar que pai, pai mesmo, nunca será dispensável.
Fabricio Carpinejar é poeta, cronista e jornalista
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