Muitas vezes escutamos que para não morrer em vida precisamos nos reinventar, precisamos renascer para uma existência nova. Nesse sentido, morrer e renascer em vida no meu entender seria deixar de lado aquele ser desanimado, cansado e até mesmo triste para recomeçar com uma nova roupagem e com um novo fôlego.
Somos humanos e não máquinas capazes de programar como será nossa existência do nascimento até a morte. A imprevisibilidade da vida, o amadurecimento, as falsas fantasias, os novos interesses, as perdas são algumas das situações postas que nos fazem repensar o que queremos.
As vezes sonhos antigos tornam-se irrelevantes e as receitas sempre utilizadas já não nos servem mais. É simples assim, o que nos realizava antes pode ser motivo de desinteresse e desânimo no presente. Não significa que nossas escolhas antigas deram errado, mas apenas que queremos ou precisamos de algo diferente. Não significa que vamos descartar nosso passado, mas apenas que desejamos exercer o poder (que temos!) de alterar o presente para que assim o futuro fuja da previsibilidade há tanto alinhavada e não mais desejada.
São tantos os exemplos para essa situação, pessoas que deixam de ser passivas diante da vida, que superam dificuldades, que passam a enfrentar seus medos e até mesmo as que vivem situações terríveis e mesmo assim decidem seguir em frente de forma diferente.
Até porque, não são apenas os nossos desejos que nos movem para mudanças, pois nem sempre as queremos. As vezes a própria vida nos surpreende com fatos que nos obrigam a uma reinvenção.
Reinventar-se pode ir de situações menos complexas, como uma mudança de profissão ou de país, por exemplo, para situações bem mais complexas, como decidir dar uma chance à vida mesmo quando sofremos perdas irreparáveis e perdemos a fé. Em suma, pouco ou muito complexa a mudança nunca será fácil ou indolor.
O que me despertou a vontade de escrever sobre o assunto foi ter assistido recentemente, numa madrugada insone, o filme Gravidade do diretor mexicano Alfonso Cuarón, que fez muito sucesso de crítica e público na época de sua exibição nos cinemas.
A verdade é que o filme é uma bela metáfora sobre o “renascimento”. Bom, quem não assistiu e não quer saber detalhes do filme é bom parar de ler o texto por aqui.
O longa se passa no espaço, onde astronautas são atingidos por detritos que causam mortes e avarias na nave. Após o ocorrido, restam vivos, inicialmente, apenas a Dra. Ryan Stone (Sandra Bullock) e o comandante Matt (George Clooney).
Em determinada cena do filme, o comandante Matt pergunta à personagem de Sandra Bullock quem estaria, naquele momento, olhando para o céu e pensando nela e, então, ela revela a tragédia que envolveu a sua família. É nesse exato momento que entendemos que a Dra. Ryan tinha perdido tudo e que a sua vida era um enorme vazio.
A questão é que no meio do filme ela decide viver e então Cuarón nos apresenta, através de fascinantes imagens, o seu “renascimento”. É a nave como útero em que vemos a personagem em posição fetal, os cabos como cordão umbilical, a sua luta para chegar ao planeta Terra e, finalmente, a cápsula espacial debaixo d’água e o esforço da personagem para sair dela nos fazendo lembrar um parto natural. A Dra. Stone não apenas sobrevive, ela renasce, ela decide recomeçar, dar uma chance à vida… apesar de toda dor.
Cuarón nos mostra de forma poética a fragilidade humana e principalmente que as vezes precisamos nos reinventar, renascer, recomeçar, e que, sim, somos capazes de fazer isso por mais difícil que pareça.
Achei o filme muito bonito e a reflexão muito válida, pois a passividade, o medo, o desânimo, muitas vezes nos impede de dar novos passos, passos necessários para que a nossa vida seja, se assim for nossa vontade ou necessidade, reinventada.
O tema também me faz lembrar a poesia “Reinvenção” de Cecília Meireles e por isso termino com ela:
“A vida só é possível reinventada.
Anda o sol pelas campinas e passeia a mão dourada pelas águas, pelas folhas. . .
Ah! Tudo bolhas que vêm de fundas piscinas de ilusionismo… – mais nada.
Mas a vida, a vida, a vida, a vida só é possível reinventada.
Vem a lua, vem, retira as algemas dos meus braços.
Projeto-me por espaços cheios da tua Figura.
Tudo mentira! Mentira da lua, na noite escura.
Não te encontro, não te alcança…
Só – no tempo equilibrada, desprendo-me do balanço que além do tempo me leva.
Só – na trevas fico: recebida e dada.
Porque a vida, a vida, a vida, a vida só é possível reinventada.”