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Quando você se vendeu pela última vez?

E aqui é o momento em que você diz: “Eu nunca me vendi!”. Mas olha, eu nem me refiro às grandes liquidações, onde dá pra sair vendendo honra, consciência ou princípios, tudo isso de baciada. Afinal, essas grandes vendas com grandes impactos, sempre estiveram disponíveis só para uns poucos, aqueles que são colocados em uma posição em que podem comprovar que o poder corrompe. Ok, não são tão poucos assim, ainda mais se a gente traçar uma trajetória que vai desde Judas até o pessoal que ainda vai ser condenado na Lava-Jato (e também aqueles que não serão condenados no cartel do metrô em São Paulo). E vendas maiores que essas, aí só mesmo com grandes empresas, como a Volkswagen, que acabou de reconhecer que adulterou 11 milhões de carros em todo o mundo, vendendo a sua credibilidade por um corte nos custos.

Mas o que interessa aqui são as vendas pequenas no varejo, onde a gente passa a consciência para frente, só por uns trocados, como quando você vê alguém jogar lixo na rua, fica incomodado (só vale se incomodar mesmo, ok?) e não faz nada. Você está se vendendo pela sua segurança, pela sua tranquilidade ou mesmo pelo tempo que você não pode perder ali, naquele momento.

A gente também aprende logo cedo que não dá para lutar toda batalha no momento em que ela se apresenta. Às vezes, dá pra tentar adiar, para quando houver a certeza de que ela possa ser vencida. É uma forma de nos vendermos pela conveniência.

Ou podemos nos vender pela comodidade. Como, por exemplo, quando aquela vaga de cadeirante está ali, tão sozinha e tão desacompanhada, com toda cara de que não vai ser usada nos próximos cinco minutos, que é todo o tempo que você precisa, só cinco minutinhos, que mal pode fazer? Vai ser muito azar se chegar um cadeirante bem nessa hora, não vai? Bom, você estaciona seu carro e está de volta depois de cinco minutos (ou dez, quinze, talvez até vinte) e como realmente não apareceu nenhum cadeirante ou seu carro não foi guinchado, você diz pra si mesmo que agiu certo e até questiona a real utilidade dessas vagas, já que você nunca viu nenhuma sendo propriamente usada. E a vida segue, até a próxima vez em que for preciso estacionar, e o ciclo recomeça.

Quando estamos nesse processo de venda, tentamos nos enganar de todas as maneiras, para que não possamos assumir – em um nível consciente – que o negócio já foi fechado e estamos devidamente vendidos e bem ou mal pagos. É a hora de usar o melhor da criatividade e inventar desculpas & justificativas que sirvam pelo menos pra tentar convencer a nós próprios. O nosso nível de tolerância para essas desculpas & justificativas costuma ser bem alto nessas horas.

Para manter as engrenagens da vida social funcionando, é preciso se vender até pelo bem dos outros. Sabe quando você está naqueles almoços de família, pode ser Natal ou Páscoa, e toda a família começa a defender um ponto de vista completamente oposto ao seu ou um cunhado começa a fazer comentários não muito bacanas e você prefere ficar quieto, pra não criar um climão ali na hora? É uma venda que pode custar um pouco (ou muito) da sua paz de espírito, mas que é feita pela harmonia daquele momento, ainda que bem superficial, para que o peru ou o bacalhau possam ser digeridos sem muitos contratempos.

É a mesma coisa quando você está em uma roda de amigos e alguém diz alguma mentira, comete uma injustiça ou externa um preconceito que te incomoda profundamente, mas que você prefere relevar e não rebater, pra não criar caso. São aqueles momentos em que temos que optar entre defender cegamente o que acreditamos ou nos apegarmos a tal harmonia superficial, para seguir em frente com a vida em sociedade.

A gente se vende e isso faz parte da vida, só o nível da venda é que varia. Nem sempre é uma coisa ruim, às vezes é até uma necessidade. E claro que dá pra usar um conceito que não tenha um tom tão depreciativo, como “vender”. Podemos trocar por “ceder”, por exemplo. Mas ainda que se mude a palavra, não muda a realidade de que se trata de um procedimento que envolve uma troca e, mesmo que o lucro não seja trinta moedas ou uma propina milionária, alguma vantagem Maria leva.

Já que estamos vivendo um momento em que a indignação com a corrupção está espalhada pelas redes sociais, essa poderia ser a hora de levar para a vida esse sentimento e abandonar a indignação seletiva, que só vale para um lado da moeda, aquele com o qual não concordamos. Se essa indignação se ampliasse para todos os tipos de corrupção, incluindo aí as nossas, por menores que fossem, seria um ponto de mudança na História.

É uma ideia bem utópica, claro, ainda mais porque crescemos no país do jeitinho e da Lei de Gérson, mal dá pra dimensionar o quanto isso tudo está entranhado em nós. Mas encarar a situação de frente ajuda a entender um dos principais mecanismos da vida em sociedade. E se der para abrir mão do pacote de desculpas & justificativas, melhor ainda.

Fabio Brandi Torres

Nasceu 15 dias antes da chegada do Homem à Lua e é dramaturgo, roteirista, tradutor e produtor, mas conforme a ocasião, também pode ser operador de luz, de áudio, bilheteiro, administrador e contrarregra, ainda que não tenha sido camareiro, mas por pura falta de oportunidade. Questão de tempo, talvez, já que quando se faz teatro por aqui, sempre se cai na metáfora futebolística do bater escanteio e correr pra cabecear. Aliás, se aposentou do futebol na década de 80, quando morava em Campos do Jordão, depois de uma derrota por 6×0 para o time de uma escola adversária, cujo nome não se recorda. Ele era o goleiro.

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Fabio Brandi Torres

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