Quanto menos a gente se arma, mais a gente se ama.

Imagem de capa:  Masson/shutterstock

Hoje eu acendi uma velinha pra você. Fechei os olhos, apertei as mãos, pedi a Deus pra soprar o calor dessa chama até onde vai meu pensamento. Sei que Ele há de levar meu recado até aí.

Por aqui vai tudo assim-assim. O asfalto ainda envelhece como quando você andava por estas ruas. Vira e mexe nasce uma plantinha na rachadura do chão e eu corro para perto da sua lembrança. Pudera. É que eu me acostumei a ver você como a natureza insistente, rompendo a dureza das coisas sólidas com a leveza dos anjos, como um quintal de jabuticabas, passarinhos, cachorros, um paraíso manso cravado entre os prédios sisudos de uma cidade grande. Como a esperança firme, o trabalho honesto, o jeito que a vida sempre dá.

Toda essa gente armada até os dentes, desconfiada da própria sombra, brigando com quem encontra, correndo atrás do próprio rabo, também me faz lembrar você, do seu jeito de sorrir bonito, como quem escancara a porta para uma visita esperada e merecida. Então eu sigo confirmando que quanto menos a gente se arma, mais a gente se ama.

A saudade de você resiste feito tudo que há de bom no mundo. Essas coisas que sobrevivem a qualquer maldade. Quanto mais as atacam, mais fortes se tornam. Não há bomba que derrube os sonhos nem barulho que emudeça a alegria cantando infinita no coração da gente.

Andei mudando uma coisa e outra aqui embaixo desde que você se foi. Troquei de emprego, cortei o cabelo, comprei um sofá azul. Mas é um azul chamativo, escandaloso. Quem sabe você o enxergue aí de cima qualquer dia desses. É daqui que eu tenho assistido à tardinha que me faz lembrar você. Tem coisa que nunca vai mudar mesmo.

João não para de crescer. É um menino lindo, esperto, feliz, cheio de amor. Ontem me pediu pra comprar um presente que ele vai entregar “à menina mais bonita da escola”. Coisa simples, um potinho cheio de chocolate. Dei a maior força. Disse a ele pra escrever uma cartinha também. Está ali agora, empenhado, o coração feliz, a alma leve, derramando ternura no papel sobre o nosso sofá azul.

Não sei o que o João está escrevendo. Ele não quer que eu leia e eu respeito. Mas eu imagino que a cartinha dele seja cheia de esperança. Como a minha segue cheia de saudade.

Sua velinha queima tranquila como a sua lembrança. Clara e honesta como a sua presença ausente. Quente e viva qual a sua alegria que me marcou para sempre.

Hoje eu acendi uma velinha pra você. Tomara que o calor de sua chama a encontre em paz, vestida de luz e de sol, sorrindo para sua gente aqui embaixo. Essa gente que a leva no coração para sempre.

André J. Gomes

Jornalista de formação, publicitário de ofício, professor por desafio e escritor por amor à causa.

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