…e as pessoas precisam saber como tudo acontece.
Acredito que os segredos só existem para que sejam relevados quando estivermos prontos. A ocultação de um relato o valoriza e até o santifica, pois, se rotineiramente consideramos muito importante aquilo do que mais falamos, talvez mais importante ainda sejam as coisas que não são ditas. O silêncio esconde as verdade mais inacessíveis: aquelas que, muitas vezes, não somos capazes de contar nem para nós mesmos.
Mas, se a palavra ainda não será dita em voz alta, ouso digitá-la e materializá-la em forma de letras. Gosto da ideia de transferir o sentido de algo tão meu utilizando-me de desenhos e códigos que outras pessoas podem entender. É magico como me descubro capaz de construir uma nova verdade, que talvez seja a verdade do que realmente aconteceu. Quem sabe, passado tanto tempo, tudo seja apenas uma verdade possível já adulterada pela minha memória. Talvez, ainda, seja uma verdade inventada para dar sentido ao grito mudo que desesperadamente busca vazão através das paredes altas, escuras e lisas que habitam a minha garganta, mas que terminam em um lugar além, no mundo externo.
Hoje, depois de alguns ano que tudo aconteceu no calendário, quero confidenciar uma história, e, para que ela seja compreendida em sua totalidade, preciso descrevê-la em sua sequência cronológica. Tenho que contar como tudo foi para que você compreenda como tudo é, pois nem sempre as coisas são o que aparentam ser.
Tenho que contar como tudo foi para que você compreenda como tudo é, pois nem sempre as coisas são o que aparentam ser.
Ela tem que fluir gradativa e graciosamente de dentro para fora. Ela tem que perceber a luz que mostrará seus contornos como o amanhecer que chega, e, aos poucos, vai clareando tudo. Suas pupilas terão que adaptar-se a exposição. Seu corpo reaprenderá a ter movimentos e, só então, ela estará pronta. Quando isso acontecer, ela te pegará pelas mãos e você saberá que aconteceu a conexão. Mas só quando ela finalmente se sentir livre!
***
A cultura e a sociedade nos dão proteção e um certo sentimento de aconchego quando nos dizem como as coisas devem ser. Assim, mesmo que você seja uma pessoa culta, crítica e inteligente, quando as coisas acontecem como “manda a etiqueta”, lá no fundo, algo dentro de você acende o sinal verde, pois identifica que as coisas estão acontecendo dentro do script. Aí o seu cérebro querido- que adora uma “zona de conforto”- ativa o seu modo automático e você reduz as suas defesas.
Mas vamos aos fatos:
Informação 1
Uma das minhas melhores amigas o apresentou enchendo-o de predicados. A figura era bem afeiçoada. Era alto, caracterísitica que me chamava a atenção, e fez um comentário sagaz e divertido. Pronto, depois de meses sem cogitar a possibilidade de qualquer relacionamento, eis que a mosquinha do “Eu me interessei por você” me deu uma bela mordida.
Informação 2
Fico sabendo pela íntima amiga que o interesse foi mutuo. A figura alta, inteligente e sagaz havia especulado a meu respeito, queria meu telefone e, se houvesse reciprocidade da minha parte, almejava uma aproximação.
Até aqui tudo bem. Afinal, não é assim que as coisas acontecem?
Informação 3
Eis que recebo a ligação da figura descrita e, junto com ela, seus elogios galanteadores e outras lisuras, vem também um convite para sair.
Por enquanto o tempo das coisas fez sentido e aconteceu como deveria. Mas, imagine agora, a sequência de dados que darei a seguir, acontecendo em um ritmo alucinante. Preste atenção na sequência dos verbos que indicam ação e nas falas ditas rapidamente.
Primeiro encontro: saímos para almoçar, declaração, pedido de namoro
Segundo encontro: leva para conhecer o apartamento, fala da família, antigos relacionamentos, descreve-se como alguém que busca algo sério estável e indica que você é a pessoa.
Paralelamente: fala para todas as pessoas que vocês conhecem que encontrou alguém muito especial, que está apaixonado, que quer algo sério. Envia dezenas de mensagens de celular, liga todos os dias.
Próximos encontros- período de aproximadamente um mês- esforça-se, ao máximo, para permanecer próximo, vai a lugares junto, apresenta a pessoas, declara-se, fala que quer filhos, vai conhecer sua família e fala de suas intenções, mostra um novo apartamento no prédio e pede sua opinião, diz que o “seu lugar” é dentro daquela casa.
Durante esse período, o tempo todo você sabe que aquilo tudo está RÁPIDO DEMAIS. É como se uma avalanche de elogios, carinho, sonhos despencasse e te engolisse sem que você pudesse respirar e raciocinar. Suas carências são supridas. Sua descrença com relação aos relacionamentos anteriores começa a parecer só um degrau que teria permitido encontrar esse grande e maravilhoso amor que veio para tudo resolver. Dentro de si, acontece um misto de confusão , porque racionalmente a pessoa percebe que existe algo errado, mas, paralelamente, existe culpa porque é como se você estivesse sabotando a possibilidade de ser feliz e não reconhecesse que “tirou a sorte grande”.
Durante esse período, o tempo todo você sabe que aquilo tudo está RÁPIDO DEMAIS. É como se uma avalanche de elogios, carinho, sonhos despencasse e te engolisse sem que você pudesse respirar e raciocinar. Suas carências são supridas. Sua descrença com relação aos relacionamentos anteriores começa a parecer só um degrau que teria permitido encontrar esse grande e maravilhoso amor que veio para tudo resolver.
Mais algumas semanas passam e, sem que eu percebesse, eu tinha me tornado completamente dependente desse relacionamento. Mal conseguia trabalhar e esperava cada momento do dia em que receberia a PRÓXIMA DOSE de afeto e atenção.
eu tinha me tornado completamente dependente desse relacionamento.
Depois de uma ou outra esquiva menor, em um final de semana, o homem alto, sagaz e inteligente que me bombardeava ininterruptamente com afeto, simplesmente desaparece sem dar nenhuma satisfação.
Se a minha lucidez estivesse funcionando eu saberia que aquilo era, nada mais, nada menos, que um “perdido” de quem não quer mais nada com nada. Entretanto, depois de ouvir repetidamente promessas e declarações de alguém que, na minha perspectiva deturpada pela sedução, era alguém confiável, preferi acreditar que as coisas não eram bem assim e procurei por ele, liguei o abordei na rua. Literalmente o persegui em busca de uma resposta que fizesse algum sentido. Era como se tivesse acontecido um curto circuito no meu cérebro, pois as informações construídas no período anterior não tinham nenhum relação com a realidade apresentada. Em casa em chorava sem parar. Chorei por mais de 2 meses todas as noites. Entrei em depressão. Pensei em suicídio e sabia exatamente qual seria o local em que jogaria o meu carro na estrada durante a volta do trabalho. Também tinha comigo, em mente, o nome de uma medicação que causava infarto se tomada em doses altas.
Pensei em suicídio e sabia exatamente qual seria o local em que jogaria o meu carro na estrada durante a volta do trabalho. Também tinha comigo, em mente, o nome de uma medicação que causava infarto se tomada em doses altas.
Cada vez que eu passava em frente a farmácia, pensava em parar, meu corpo me pedia para parar, mas eu não parava, pois sabia que ter aquele medicamento em mãos era um risco real de ingeri-lo. Namorei a ideia da morte por vários meses. E ela, mais fiel que o ex namorado, também namorava comigo de forma íntima e intensa. A minha lucidez ficou em risco porque o choque entre as mentiras, os desejos íntimos e a realidade violenta (manipular friamente uma pessoa utilizando-se de suas fragilidades é, sim, um ato de violência) geraram um verdadeiro “pane mental” após o descarte cruel e abrupto.
Namorei a ideia da morte por vários meses. E ela, mais fiel que o ex namorado, também namorava comigo de forma íntima e intensa.
Informação 5- O que ele dizia para as pessoas
Para as pessoas de fora, que tinham visto um namoro começar, ficava fácil dizer que a relação não deu certo, que eu tinha me iludido e que uma relação séria não era o que ele queria. Quem observa superficialmente não questiona isso.
Para a pessoa que ludibriou o outro também fica fácil dizer que agora o outro o persegue porque não aceita o fim, que a ex-namorada “é uma louca”.
É uma louca!
Uma das coisas que acho fundamental dizer aqui é que ser culta, inteligente e bem sucedida, não protege nenhuma mulher (e nem homem) de ser envolvida por um SOCIOPATA. Na verdade, essa rapidez com que o sociopata age para conseguir o que quer, simplesmente porque quer, acontece de maneira AMORAL E SEM CULPA. A VELOCIDADE é uma das formas de ludibriar a capacidade crítica da pessoa envolvida. Assim, dizer tudo o que ela quer ouvir é uma maneira de baixar a guarda e explorar carências maiores e anteriores. Ele se molda a expectativa do ser que quer conquistar e age rápido. É como se ele pensasse, seja veloz e faça o que quer antes que seu alvo perceba que você é uma fraude. Todo SOCIOPATA é uma fraude.
O Sociopara se molda a expectativa do ser que quer conquistar e age rápido.
Depois, como não há culpa e nem responsabilização por nada do que foi dito, quando o objeto da conquista não interessa mais, fica fácil fazer o DESCARTE depreciando seus atos e questionando sua lucidez.
As pessoas de fora? Bem, como você foi enganada no começo, elas também acreditam e isso é um agravante porque diminui ainda mais a credibilidade da vítima que pode ser culpabilizada e depreciada ainda mais. Ah, e não se enganem achando que outras pessoas “cultas, inteligentes e lúcidas perceberão”. Na maioria das vezes, você pode até avisá-las, mas elas não entenderão e acharão que “é tudo da sua cabeça”. Um dos grandes choques será perceber que, mesmo explicando a situação, o algoz é um mestre em se sair de vítima.
Um dos grandes choques será perceber que, mesmo explicando a situação, o algoz é um mestre em se sair de vítima.
O tempo, fiel remédio para as dores da alma e do coração, permite que as feridas cicatrizem, mas a cicatriz emocional permanece registrada na memória como uma lembrança educativa do que foi aprendido de forma traumática.
a cicatriz emocional permanece registrada na memória como uma lembrança educativa do que foi aprendido de forma traumática.
A minha história talvez não seja relevante para muitos, mas sei que, se alguém, nesse momento, passa por algo similar ao que eu passei, se essa pessoa sabe o que é ter a sua lucidez questionada pelos outros (e até por si mesma), ela saberá o quanto essa dor é avassaladora.
Lembre-se que:
“Ninguém pensa em morrer porque quer morrer. As pessoas querem acabar com a dor”
Aqui fica o ponto final que justifica a escrita. Você nunca sabe ao certo o que se passa no mundo interno de uma pessoa. Você não sabe se uma pessoa está sorrindo para você enquanto ela planeja a forma de morrer. Você também não sabe o quanto algo que parece simples e bobo para o olhar do público pode ser grave na vida de um indivíduo. Aquilo pode ter sido só uma gota d’água de outras dezenas de histórias que se somam a uma vida complicada. Então, ao contrário dos sociopatas que realmente não possuem empatia, é preciso que as pessoas derrubem suas couraças e olhem os outros seres humanos com empatia e afeição.
Você não sabe se uma pessoa está sorrindo para você enquanto ela planeja a forma de morrer.
Ainda me lembro de ligar chorando desesperada em busca de consolo para falar com meus amigos mais amados. A amiga querida que me apresentou o sociopata foi uma das pessoas que mais me entendeu e amparou. Talvez eu deva a ela a minha vida porque, é assim mesmo, os amigos de verdade estão conosco no acerto e no erro. A vida é isso.
Lúcia. A
Nota da página: esse artigo foi publicado na CONTI outra a pedido da autora e respeitando a sua privacidade. Sabemos que milhares de pessoas passam por situações similares a essas diariamente. Se você tiver algo a dizer a Lúcia A. ou se também quer contar um pouco sobre o que passa ou passou em sua vida, use nossos comentários. Temos certeza que muitas pessoas podem se beneficiar desses relatos.
Imagem de capa: eldar nurkovic/shutterstock
Se você estava procurando um bom motivo para não sair de casa hoje, saiba que…
O estudante é fruto de um arranjo familiar em que a mãe biológica é irmã…
Se você é fã de comédias românticas, provavelmente já ouviu falar de "Como Perder um…
É impossível resistir aos seis deliciosos episódios desta série que está disponível na Netflix.
Poucas pessoas conseguem passar pelos 14 minutos arrebatadores deste filme sem derramar uma única lágrima.
Como estudantes, muitas vezes nos deparamos com imagens de texto que talvez precisemos incluir em…