Quem dera a gente não sentir dor por perder algo importante

Outro dia assisti a um filme no Netflix e me encantei com uma das frases. Dizia assim: “Uma estrela cadente só dura um segundo, mas você não fica feliz de pelo menos ter visto?” E pensei que é assim mesmo. Algumas coisas duram pouco, ou duram muito menos do que a gente gostaria. Mas ainda assim, foi melhor elas terem existido (ainda que por pouco tempo), do que se elas nunca tivessem acontecido.

A vida é cheia de pontos finais. Num momento ou outro encerraremos um parágrafo e começaremos outro. Novas histórias estão prestes a ser escritas, e mesmo que haja dificuldade em virar a página, alguns ciclos se encerrarão independente de nossa vontade. Porém, alguns capítulos sempre terão suas linhas grifadas e sua folha marcada com um post it colorido, sinalizando que ali reside uma memória importante. Mesmo virando a página, alguns episódios permanecerão eternos. E por mais breves que tenham sido, serão como estrelas cadentes, que riscam o céu numa fração de segundo, mas nem por isso deixam de ter um significado especial.

Algumas coisas são faíscas, mas têm o dom de nos transformar. Como quando alguém lhe sorri no meio de uma multidão ou quando você identifica o choro do seu bebê dentre tantos outros. Seu corpo interpreta os sinais. Sua alma encontra reciprocidade. Sua hora coincide com a hora de alguém, e mesmo que essa sincronicidade dure apenas um lapso de segundo, você será grato. Grato por descobrir que, mesmo durando pouco, essa faísca despertou em você algo que você não sabia que existia. E isso por si só já é tão bonito e poderoso, que faz tudo, tudo mesmo, ter valido a pena.

Quem dera a gente não sentir dor por perder algo importante. Porém, deveria permanecer a alegria e a gratidão por esse algo importante ter feito parte de nossa vida, ainda que por um único segundo. Compreender que por alguns instantes fomos escolhidos para compartilhar um olhar, um sorriso, uma paixão ou mesmo a posse de algo que depois se perdeu, nos torna agraciados, abençoados, merecedores. Aquilo que se perdeu estava predestinado a um tempo curto, mas fomos escolhidos para usufruir desse tempo escasso, e fizemos o melhor que podíamos.

Lygia Fagundes Telles fala da saudade como “um vestido velho que tiramos do baú. Um vestido que não é para usar, só para olhar. Só para ver como ele era. Depois a gente dobra de novo e guarda, mas não se cogita em jogar fora ou dar”. Assim encaro as perdas também. A gente sabe que não pode mais usar aquele vestido, que não serve mais para a gente, que nunca mais vai servir. Mas a gente fica feliz por um dia ter tido o vestido. Por uma vez na vida ter cabido naquele vestido e rodopiado com ele numa noite estrelada. E mesmo que hoje as músicas sejam outras, e que os trajes sejam muito mais elaborados e bonitos, a gente ainda se lembra com carinho. E depois guarda de volta no baú. Pois entende, finalmente, que tudo na vida tem seu tempo, e que um dia seremos o vestido velho de alguém também…

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Escritora mineira de hábitos simples, é colecionadora de diários, álbuns de fotografia e cartas escritas à mão. Tem memória seletiva, adora dedicatórias em livros, curte marchinhas de carnaval antigas e lamenta não ter tido chance de ir a um show de Renato Russo. Casada há dezessete anos e mãe de um menino que está crescendo rápido demais, Fabíola gosta de café sem açúcar, doce de leite com queijo e livros com frases que merecem ser sublinhadas. “Anos incríveis” está entre suas séries preferidas, e acredita que mais vale uma toalha de mesa repleta de manchas após uma noite feliz do que guardanapos imaculadamente alvejados guardados no fundo de uma gaveta.