Por Marina Pilar Reichenberger e Marcela Alice Bianco
Em uma família cada criança que nasce recebe um tratamento diferenciado devido ao momento de seu nascimento na ordem cronológica e afetiva do seu sistema familiar. Cada filho recebe dos pais uma projeção, expectativas e sonhos diferentes, os quais repercutirão em toda sua história como indivíduo e como parte integrante do grupo. Os filhos mais velhos, recebem toda a atenção dos pais que acabaram de realizar o grande sonho de se tornarem pai e mãe pela primeira vez. Já os caçulas, por serem os últimos, geralmente recebem uma atenção redobrada por serem os mais novos, menos experientes e às vezes, considerados os mais frágeis da família. O que acontece com aqueles indivíduos que não tiveram nem o privilégio de serem os primeiros, e nem a atenção especial recebida por serem os mais novos?
Os filhos do meio nascem depois da experiência mística vivenciada pelos pais de se tornarem genitores pela primeira vez, sem poder usufruir da atenção e expectativa da mesma forma, podendo viver nas sombras dos filhos mais velhos.
Os filhos do meio muitas vezes são considerados os mais negligenciados, costumam ter sentimentos de não-pertencimento na família, e algumas vezes, no mundo. Em um estudo feito na Universidade de Stanford nos Estados Unidos, os filhos do meio foram considerados os mais invejosos, os menos ousados e os mais quietos da família. Nascendo depois do tão esperado primeiro filho/a primogênito (a), e antes do caçula que recebe todos os mimos, o filho/a do meio costuma ser colocado de lado pelos pais na esfera subjetiva.
Mesmo sem intenção consciente, os filhos do meio recebem de seus pais projeções e cargas afetivas diferentes dos demais filhos. A ansiedade, a insegurança e a expectativa da primeira experiência já passaram, e os pais, além de estarem mais seguros, podem também estar mais flexíveis, relaxados e até mesmo cansados quando o segundo filho chega no berço da família.
Eles herdam berços, carrinhos de bebê, roupinhas, brinquedos, etc. do (a) irmão (a) mais velho (a) e com isso os filhos do meio, podem (as vezes erroneamente), crescer com uma sensação de que não foram tão privilegiados quanto o primogênito. Quando chega o caçula, os pais se preenchem com um novo sentimento e então o filho do meio, presenciando o afeto com o novo bebê pode se sentir confuso e enciumado, achando que somente com ele não foi bem assim.
Além desses sentimentos, existe uma expectativa dos pais, de que esses filhos “se virem sozinhos” no mundo. Há uma demanda maior do filho do meio se tornar mais independente que os outros filhos, como se houvesse um sentimento inconsciente vindo dos pais, que estes filhos que nasceram no meio dos outros, já sabem tudo que o primeiro aprendeu, sem a fragilidade de ser o último. Por terem que se virar sozinhos, algumas vezes acabam se deparando com sentimentos de solidão, e isto pode torná-los realmente mais independentes.
Essa independência os leva também a experimentar coisas novas, as vezes não experimentadas pelo resto da família. Nesse ser “deixado de lado” também nasce um pensamento muitas vezes mais inovador do que ocorre com os outros irmãos. Essa sensação de serem invisíveis, isolados e o com um sentimento de não-pertencimento na família os leva a tomar riscos maiores e desperta pensamentos criativos não atingidos pelos outros membros da família. Assim, os vácuos de solidão, acabam despertando em si mesmos a criatividade fora do quadrado familiar e global.
Em contrapartida, por serem ou por se sentirem menos reconhecidos em casa e dentro da cultura familiar, a autoestima desses filhos tem uma tendência a ser baixa.
Cabe salientar que, apesar das similaridades encontradas nas pesquisas sobre o filho do meio, cada família é única, sendo essencial perceber as particularidades de cada relacionamento desenvolvido.
Mas podemos pensar: Como faz o filho do meio para sair desse drama familiar instalado devido à ordem dos nascimentos? Como ele pode tirar proveito da situação?
O primeiro ponto é poder se conscientizar da sua real condição e papel dentro da família. Diferenciar aquilo que é realmente uma realidade dentro da vida familiar, de um sentimento ilusório de menos valia construído com base nas suas percepções infantis ainda frágeis e em construção. Esse trabalho possibilita uma nova significação da vida e pode libertar potenciais criativos bloqueados em função da baixa autoestima e das carências afetivas existentes.
Algo que precisamos considerar é que nossos vínculos são sempre construídos por ambos os lados da relação. Assim, o filho do meio, com base nas suas próprias interpretações da realidade em que viveu, pode ter se afastado defensivamente dos seus pais e até mesmo dos seus irmãos, preferindo a independência ou o isolamento. Restaurar os laços afetivos, quebrando possíveis barreiras construídas, pode ser outro fator de regaste de si mesmo para o filho do meio. Reconciliando-se com sua história e com sua família, pode também reaver os tesouros guardados de sua personalidade.
Por fim, é preciso considerar que todos os papéis representados em uma família, possuem seus pontos positivos e negativos e podem contribuir ou dificultar o processo de individuação, ou seja, a realização do nosso potencial humano.
Se por um lado o filho mais velho é o mais esperado e desejado, ele é também o maior alvo das expectativas dos pais, podendo sofrer o peso de retribuir com seu sucesso, para manter admiração e os sonhos nele depositados. Por esta mesma via, pode fracassar e se tornar justamente uma espécie de anti-herói, sendo aquele que irá “dar mais trabalho” para os pais ou que manterá um maior nível de dependência por toda a vida. Já para o caçula, o excesso de proteção pode acarretar numa maior dependência e dificuldade em seguir seus próprios passos com segurança e autonomia. Podem viver à sombra de relacionamentos, para manter a segurança afetiva antes conquistada. Assim, para cada filho há um desafio a ser enfrentado e superado na jornada heroica a qual todos nós somos convidados a realizar dentro da nossa humanidade.
Aos filhos do meio, resta a tarefa de reconciliarem-se com o próprio lugar que ocuparam dentro de suas famílias, desmistificarem seus fantasmas de desamor e negligência, para então resgatarem seu senso de amor-próprio e de segurança no mundo, bem como os vínculos afetivos com seus pais e irmãos. E desfrutarem da criatividade e resiliência permitidas justamente por estarem neste papel de “filhos do meio” de maneira promissora para o seu desenvolvimento pessoal.
Afinal, como diz a canção, “cada um de nós compõe a sua história. Cada ser em si carrega o dom de ser capaz e ser feliz”.
Autoras:
Marcela Alice Bianco – Psicóloga Clínica e Psicoterapeuta Junguiana formada pela UFSCar. Especialista em Psicoterapia de Abordagem Junguiana associada à Técnicas de Trabalho Corporal pelo Sedes Sapientiae. CRP: 06/77338
Marina Pilar Reichenberger – Psicóloga e Psicoterapeuta graduada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Pós-graduada em Aconselhamento em Saúde Mental com especialidade em Terapia Expressiva pela Lesley University nos EUA. CRP: 06/ 119769
Imagem de capa: Amir Bajrich/shutterstock