Quem julga livro pela capa perde grandes histórias.

Vivemos um mundo de aparências, no qual a beleza externa de tudo e de todos é supervalorizada. Corremos atrás de marcas famosas, fachadas suntuosas, fotos virtuais irretocáveis e corpos perfeitos. Tentamos nos aproximar de pessoas ricas, para obtermos nosso lugar ao sol na terra da fantasia, onde a fama e o luxo imperam.

E, nessa toada, esvaziamos, a pouco e pouco, nossa essência mais íntima, que se perde em meio a tanta superficialidade. Tão acostumados ficamos com a valorização do belo e luxuoso, que acabamos por julgar também as pessoas a partir de materialidades visíveis. A beleza externa sobrepuja qualquer qualidade de caráter e de princípios e somos levados a julgar com base nas aparências, valorizando as coisas e as pessoas a partir do preço estampado nelas.

Queremos uma casa vistosa, com jardins ornamentais e cômodos bem distribuídos. Um carro novinho na garagem, móveis de revista, solários, piscina no quintal. Queremos quadros, vasos, porta-retratos, toalhas, mesas, camas e panelas. É importante impressionar quem olha e quem entra em nossa casa. Enquanto isso, esquecemo-nos de transformá-la em um lar com calor humano, interações sinceras, amor em profusão, verdades compartilhadas.

Desejamos passar uns dias em hotel de cinco estrelas, com ares-condicionados espalhados por todos os recintos, flores trocadas diariamente, atendimento VIP, piscinas de todo tipo, refeições de banquete. Desejamos cenários nababescos, para rechearmos nossas redes sociais de imagens que denotem o desfrute de uma vida bem sucedida. No entanto, permanecemos isolados dentro de nós mesmos, confinados ao wifi de nossos celulares, mecanicamente transitando pelo luxo, sem estreitarmos os laços ao menos com quem está no mesmo quarto conosco.

Ansiamos pelo carro novo, mesmo que às custas de boletos intermináveis, para podermos chegar aos lugares impressionando, provocando inveja, atraindo as atenções para o que podemos comprar. Ansiamos pelo celular de última geração, pelo tênis com molas inúteis ao nosso estilo de vida, pelas telas de sessenta polegadas, pela máquina europeia de café expresso. Porém, nossas dívidas crescem, nosso trabalho se estende a horas exacerbadas e nosso cansaço físico nos impede de perceber o olhar companheiro que nos aguarda em nossa casa, afastando-nos de nossos amores verdadeiros.

Precisamos ser amigos das pessoas endinheiradas, para transitarmos livremente por entre as órbitas das festas, dos clubes e dos restaurantes mais chiques. Precisamos fazer parte do círculo restrito dos colunáveis, de quem frequenta os bares da moda, de quem promove festas opulentas, de quem viaja para o exterior para comprar roupas e montar os enxovais. E, enquanto nos aproximamos disso tudo, distanciamo-nos dos amigos que sempre estiveram ao nosso lado e que gostam da gente de verdade.

O conforto material logicamente é importante, para que possamos descansar com qualidade e oferecer uma vida digna aos nossos familiares. Da mesma forma, nossas conquistas nos tornam mais felizes e realizados como pessoa. No entanto, é necessário que também cultivemos nossas relações com as pessoas que nos rodeiam, alimentando os sentimentos e os valores éticos que devem nortear nossas andanças e a troca de energia com gente que vale a pena, com quem ri e chora junto de nós com sinceridade.

Caso contrário, estaremos sozinhos e enfraquecidos nos momentos de tempestade, em que nada além do amor é capaz de nos resgatar. E, então, nada nem ninguém nos salvará de nós mesmos.

Marcel Camargo

"Escrever é como compartilhar olhares, tão vital quanto respirar". É colunista da CONTI outra desde outubro de 2015.

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