Acordo, ainda um sonho morno brinca nos meus olhos. Fico quieta, esperando que não esteja ainda tão desperta a ponto de ter de acordar. A gente devia ter mais sonhos assim, soltos, leves, coloridos como lindas bolhas de sabão.
A vida por demais corrida vai roubando da gente, aos pouquinhos, a vontade de se demorar além da conta nas horinhas à toa, nos sorrisos de graça, nos encontros sem querer, que a própria vida – ignorando nossa determinação em racionalizar tudo – nos concede de presente.
E ainda que andemos desenhando, rabiscando e erguendo bandeiras de uma liberdade estranha e errante, tão errante que depende do nosso isolamento emocional para garanti-la – ainda assim, mesmo assim – não há um só de nós que não seja visitado uma ou algumas vezes por dia, por um desejo bonito e doce de ter um colo onde se possa caber direitinho. Um apetite deliberado pelas coisas lindas, um carinho, um abraço onde a gente tenha vontade de morar.
E aquele sentimento cálido e indolente que há algumas horinhas atrás experimentei, quando ainda teimava em guardar em meus olhos serrados o sonho inesperado que sonhei, parece não querer largar-me mais. Andei o dia todo sorrindo por nada. Andei o dia todo sem achar nenhum motivo que me convença que a seriedade é necessária para alinhavar ou costurar uma vida com sentido.
Terá sido o sonho, ou terei eu finalmente despertado para uma vida liberta de amarras e repleta de viagens para dentro de mim, com destino a qualquer parte? Haverá nesse mundo algo que valha perder a capacidade de se encantar?
O que eu apenas sei. E sei, mesmo sem saber porque sei… é que a plenitude das nossas almas incompletas depende da nossa coragem em dar um passinho adiante, apenas o suficiente para que sejamos capazes de romper a casca que nos protege e ousarmos nos despir do temor de sermos ridículos ou tolos, porque não há absolutamente nada de tolice na paixão por estar vivo.
E se for ridículo acreditar no amor, eu quero mesmo é ser a criatura mais ridícula sobre a terra. Assumo aqui a minha falta de siso, o desejo confesso de perder o juízo e a minha exagerada sede por tudo quanto faça meu coração batucar no peito.
Porque o sonho que eu tive, agora me lembrei, incluía nos espaços e tempos da vida, os loucos, os apaixonados, aqueles que já perderam há muito tempo o medo de sonhar com a possibilidade de uma existência menos seca e engessada.
O sonho era uma lembrança, qual uma fitinha que se amarra no dedo. O sonho era um recado de mim para mim mesma, um jeito de me resgatar e me fazer submergir. E ao abrir finalmente os olhos, pude então compreender que quem não é capaz de sonhar depois de estar desperto, esqueceu-se do que é estar vivo, contentou-se em sobreviver.
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