Quando perdemos algum ente querido, somos consolados por um número grande de pessoas. Vestimos nossa dor de preto e isso parece anunciar aos demais que lidamos com uma larga perda. Já, os nossos lutos cotidianos, enfrentamo-los silenciosos e, muitas vezes, nem mesmo temos a chance de exteriorizar o quanto estamos sentidos e marcados por dentro.
Esses lutos que acontecem no dia-a-dia comumente se dão sem alardes e quase ninguém aparece com um pote de sopa ou com uma palavra amiga na ponta da língua para nos consolar por causa deles. Apenas os que nos amam de verdade, aqueles que se importam, são capazes disso. Isso porque quem verdadeiramente se importa percebe nossas dores sem que precisemos dizê-las.
Outro dia em um consultório médico, conversando sobre planejamento familiar, explicitei a minha vontade de ter um segundo filho aos quarenta anos. O médico arregalou os olhos e me disse que uma gestação nessa idade era possível sim, contudo exigiria muita atenção, pois meus óvulos não seriam mais tão jovens.
Percebi que o tempo tinha corrido desenfreado frente aos meus olhos. Naquele dia vivi calada o luto pelos filhos biológicos que eu não teria. Um por um, todos esmaeceram frente aos meus olhos e eu senti naquele momento, e por mais alguns dias, a dor de não os ter como um dia sonhei.
Doeu muito, mas não me vesti de preto. Não andei pelas ruas com os olhos inchados. Não tive pesadelos. Tive apenas uma dor no peito. Uma dor silenciosa que foi notada por bem poucos.
Lutos cotidianos não são frescura, não são mimimis, não são supérfluos. Eles doem e sangram emocionalmente como feridas de verdade e precisam de nossa atenção e compreensão para poderem parar de sangrar e cicatrizar.
Eu diria que a dor emocional pode ser comparada à dor física, mas ela não apresenta marcas explícitas, o que muitas vezes faz com que essa dor fique por um longo tempo em nós. Cientistas da Universidade Purdue de Indiana, nos Estados Unidos, afirmam que a dor emocional dói até mais que lesões físicas. E eu concordo com eles.
Certa vez Fabricio Carpinejar disse em um texto seu que a morte de um anseio/expectativa/plano é como um livro de poemas que escrevemos com carinho e dedicação, mas que acabamos perdendo em algum canto.
A morte de um relacionamento, de um sonho, de uma carreira, de uma amizade, de uma expectativa, também é assim, frustrante e inquietante. A morte do que poderia ter sido e não foi é uma morte dolorosa, sem rituais físicos, o que parece tornar a dor em nós ainda maior.
Na vida, aqueles indiferentes a nossa dor, dispensados de qualquer obrigação social pela morte do que não se pode efetivamente ver, recordarão nosso livro de poemas (vide anseios) perdidos e dirão que fomos nós os culpados pela sua perda. Dirão, com um tapa em nossas costas, que nossos poemas (vide sonhos) pouco valiam.
Em contraponto, os que nos amam de verdade, sentarão ao nosso lado, com um punhado de papel branco nas mãos, e dirão, carinhosos, que somos capazes de reescrever nosso sentir tão bem quanto antes e nos lembrarão, com ternura, dos bonitos versos que nunca devemos nos negar a reescrever.
Com o passar dos anos, aprendemos a viver nossas dores e a escutar nossos lutos, mas principalmente, aprendemos que em momentos de fragilidade e dificuldade apenas os que se importam pra valer são capazes de compreender nossas razões e de respeitar nossos silenciosos lutos diários.
Devemos ficar ao lado desses e guardá-los para sempre no melhor de nós.
Atribuição da imagem: pixabay.com – CC0 Public Domain
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