Que atire a primeira pedra aquele(a) que nunca se imaginou fazendo alguma mudança em si com a finalidade de despertar a atenção da pessoa pela qual estava atraído(a). Isso é muito comum, especialmente na adolescência, quando o sujeito vive a vulnerabilidade de não ter a consciência da própria identidade. Entretanto, considerando que a maturidade emocional nem sempre está vinculada à idade cronológica esse comportamento acontece também entre os indivíduos adultos.
O que trato aqui é de situações extremas, não me refiro às situações que envolvem os ajustes necessários para que duas pessoas se relacionem. É quando uma pessoa acaba assumindo uma outra personalidade na tentativa de viver um relacionamento. Vamos entender? Existem pessoas que, tão logo se interessam por alguém e não percebem reciprocidade, tentam, de todas as formas, reverter a situação. Possivelmente, por entenderem que elas não são suficientemente interessantes, há uma percepção equivocada de que, assumindo um estilo de vida semelhante ao da pessoa desejada, elas terão mais chances de darem vida ao romance imaginário.
Existem, nesse contexto de tentar anular a própria identidade para atrair o outro, várias tentativas de adequação. Há pessoas que acreditam que mudando a aparência do corpo, despertarão a atração e o amor do outro. Há também os que apostam em abrir mão dos próprios hobbies e passam a se interessar pelos hobbies de quem despertou a sua paixão. Por exemplo, uma pessoa descobre que a pessoa por quem se interessou gosta muito de rock, então, ela passa a se interessar por esse gênero musical para sentir-se mais inserida no mundo do outro, e além disso, é capaz de renunciar ao estilo musical de que gosta caso descubra que não agrada àquela pessoa a quem quer conquistar.
Acredito que não há nada demais, e é perfeitamente saudável um determinado nível de interesse pela vida de quem nos atrai. Contudo, anular-se na tentativa de atrair alguém é dar um tiro no próprio pé. Não faz sentido, e até arrisco em dizer que é algo patológico essa história de fingir ser o que não é para tentar ser aceito por quem quer que seja. Outra coisa: ainda que essa pessoa obtenha êxito de atrair o outro e venha a se relacionar com ele, até quando ela vai viver essa personagem? Ela vai se sentir confortável em abrir mão de tantas coisas que gosta para impressionar o parceiro? Isso é um modelo de relacionamento saudável e autêntico? Onde fica a liberdade e a satisfação de ser amado(a) por ser, exatamente, que é?
Qual o sentido de viver um relacionamento no qual a pessoa não pode ser ela mesma? Isso é como usar uma máscara, concorda? É muito comum, para algumas pessoas, a crença de que quanto mais elas fizerem pelo outro, mais elas serão reconhecidas e amadas de volta. E, sabemos que isso não funciona dessa forma. Muito pelo contrário, o amor é muito dado à espontaneidade e ao que é autêntico. Outra coisa, é perda de tempo e frustração garantida essa história de tentar forçar um relacionamento. Quando tem que ser, as coisas fluem, se ajustam sem transtornos e sem desconfortos.
Convém repensar bem sobre isso. Se você está interessado(a) em alguém e passa boa parte do seu dia conjecturando possibilidades de chamar a atenção dele, sinto muito, mas acho isso desanimador. É desgastante demais esse malabarismo de ter que ser interessante para alguém que, possivelmente, não o nota da forma como você gostaria. Aqui eu considero que ambos já se conhecem, como colegas de trabalho, de contexto acadêmico etc.
É necessário entender que o amor dispensa “ajudinha”. Quando um relacionamento começa assim, ele já tem meio caminho andado para fracassar, pois, nesse cenário, sempre haverá um se desdobrando para agradar e um outro liberando migalhas de vez em quando, sentindo-se com um rei na barriga. A regra é clara: todo relacionamento só flui e faz bem se for recíproco, se exigir que alguém se desdobre para ser percebido, já era. Isso é nó, não é laço.
Imagem de capa: Denys Kurbatov/shutterstock
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