Não seremos bebê uma vez só na vida.
Com o fim de um amor, voltaremos a ser uma criança de colo.
Sempre que perdermos um amor, retornaremos ao início de nossa linguagem e teremos que reinventar outra no lugar.
Deixaremos de caminhar e vamos engatinhar.
Vamos tropeçar, vamos cair da cama, vamos boiar no tapete com a cabeça virada ao teto, as pernas não estarão mais firmes e seguras para seguir suas próprias convicções.
Precisaremos rastejar pela casa, mexeremos em tomadas proibidas, esfolaremos os joelhos.
Atravessar o quarto à sala consistirá em trajeto paciente, de quedas e desistências.
Todos que se aproximarem de nossos passos serão gigantes, imensos, resolvidos. Nossa perspectiva é do chão para cima, nos veremos subestimados e inferiores, menores do que os demais conhecidos.
Sobreviveremos com o cerco das amigas e dos amigos, nossas mães e pais do luto, capazes de acalmar o nosso lamento e descobrir um jeito de nos fazer dormir.
Seremos bebê frágil, de infinita curiosidade sobre a dor e o medo.
Não nos alimentaremos com facilidade. Completaremos qualquer refeição a contragosto.
Os dentes estarão sem fio para cortar um pedaço de pão. A fome não vencerá o incômodo de engolir as palavras junto da comida.
Cabularemos o banho, esticaremos os olhos para definir quem se aproxima, se é vulto do ventre ou se é futuro se formando.
Não desejaremos sair do conforto do cafuné e do amparo dos adultos.
Não saberemos mais falar, apenas gritar e careceremos da mímica e dos dedos esticados para expor as nossas vontades.
Choraremos com a compulsão de um recém-nascido, entre o soluço e o gemido. Pode demorar horas, pode demorar dias, quebrar noites ao meio.
Somente a rotina nos salvará, a disciplina para comer, dormir e se movimentar. Os horários certos e fixos nos devolverão a paz das certezas.
A mobilidade se reduzirá ao básico e não há como cortar caminho e apressar a planta dos pés.
Sentiremos falta do andador, do chiqueiro, do berço, gaiolas dentro da residência, muletas infantis para recriar as asas das roupas.
Alguns não aguentam o excesso súbito de infância e jamais superam a hipnose regressiva.
Perder um amor não é morrer, é repetir o nosso nascimento, é recuar todas as casas já frequentadas pelo tabuleiro da vida.
Para andar novamente, dependeremos essencialmente de alguém no fim do corredor com as mãos espalmadas dizendo: – Vem, você consegue!
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