Karina Carla, de 35 anos, trabalhava como recepcionista em uma clínica médica na cidade de Nova Lima, Minas Gerais. Em abril, ela voltou das férias usando tranças afro. O novo visual não agradou a clínica. Uma coordenadora lhe disse que suas tranças não se enquadravam no padrão estético de “boa imagem institucional” que a empresa exigia.
Devido à recusa em remover as tranças à pedido da gestão da clínica, Karina foi demitida sem justa causa. Meses depois, a ex-funcionária ganhou na Justiça o direito de ser indenizada por danos morais no valor de R$ 30 mil.
No processo, Karina relatou que sua ex-chefe, ao notar as tranças, tirou uma foto dela para a avaliação de uma consultora de imagem que prestava serviços para o local. Em ligação telefônica, a consultora, com o conhecimento da empregadora, teria constrangido Karina e dito para ela retirar as tranças.
Consta no processo a transcrição da conversa entre Karina e a consultora.
“Não dá para você trabalhar com ele, fica muito informal mesmo, sabe, tem até uns penteados, alguns cortes de cabelo que, de fato, são dress code de empresa muito casual, muito informal, [e] não se enquadra tipo em banco, clínica médica, essas coisas”, disse a consultora, que ainda afirmou que mandaria outra profissional até a clínica no dia seguinte “pra poder ensinar a fazer uns coques, algumas coisas pro dia a dia.”
Entrevistada pelo UOL, Karina disse que se manteve firme na decisão de não tirar as tranças, mesmo com medo de ser demitida.
“Não vou negar que tive medo, pois precisava daquele emprego e estava sendo pressionada pela dona da clínica e sua consultora de imagem”, disse ela, que também defendeu as tranças como algo que faz parte de quem ela é.
“A trança, além de me ajudar na transição capilar, faz parte da minha identidade e cultura.”
Em sua sentença, o juiz Henrique Macedo comentou a força simbólica dos cabelos para a identidade negra e para os povos de origem africana. E, a partir disso, concluiu não ser válida a alegação de que o uso das tranças seria incompatível com a formalidade do ambiente de trabalho.
“O tratamento dado ao tema pela empregadora parte de um raciocínio reducionista e que carrega uma visão muito distorcida da nossa sociedade, tão plural quanto complexa em sua identidade. A conduta da primeira reclamada (coordenadora da clínica), assim, contribuiu para um processo de silenciamento e invisibilidade dos signos que se articulam em torno da afirmação da pessoa negra, com o qual o Poder Judiciário, cujo papel contramajoritário desafia uma resposta firme em busca da concretização dos direitos fundamentais em sua conformação mais ampla, não pode compactuar”, escreveu o magistrado.
O juiz ainda falou sobre a dificuldade em combater o racismo institucional, embora seja uma prática comum. Escreveu:
“A reclamada (coordenadora) negou a conduta preconceituosa, afirmou em diversas passagens da defesa o seu bom relacionamento com a autora (ex-funcionária), tendo, inclusive, apresentado várias postagens em redes sociais que explicitariam a excelente convivência, mas, quando afrontada pela identidade visual da trabalhadora, que decidiu valer-se de um recurso estético que reforçava sua identidade negra, a empregadora entendeu que a imagem da demandante não mais se adequava ao ambiente organizacional e dispensou-a”.
A clínica médica alegou que a demissão de Karina foi resultado da queda drástica de movimento provocada pela pandemia da covid-19. Além disso, afirmou que a recepcionista sempre foi valorizada e elogiada. A empresa também destacou que não foi determinado que Karina alisasse os cabelos. Já a consultora de imagem ressaltou que não houve tratamento discriminatório, apenas a solicitação de que fosse feito um penteado formal.
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Redação Conti Outra, com informações de Diário do Nordeste e UOL.
Foto destacada: Arquivo Pessoal.
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