Outro dia, caminhando pela rua, vi um pai às voltas com o filho pequeno, que chorava e fazia aquela manha tão conhecida. O homem pegou a criança no colo e tentou consolá-la, ou ao menos fazê-la parar a birra, prometendo-lhe biscoito. Como não foi bem-sucedido imediatamente, pois o menino continuou a berrar, apressou-se em lhe oferecer um brinquedo. Continuei meu caminho, sem saber qual foi o desfecho do episódio. Confesso que minha vontade foi abordar o pai e conversar com ele sobre os perigos de calar o filho com comida ou tentar suborná-lo de outra forma. Se tal atitude pode surtir efeito imediato, qual seja, interromper o comportamento, sem procurar entender o que o provocou, ou lidar com ele de forma educativa, procurando modificá-lo de forma positiva, também pode criar o (mau) hábito de resolver problemas com consumo, de comida ou objetos. Na outra ponta do relacionamento familiar, já observei pais tratando filhos pequenos como adultos, repreendendo-os com rispidez ou criticando-os de modo a humilhá-los. O castigo físico, agora proibido por lei, parece ter sido substituído pelas repreensões verbais, tão ou mais danosas quanto a palmada.
Se há dicas e orientações para pais, até em programas de tevê, onde, em 50 minutos, modificam-se os comportamentos tanto das crianças quanto dos pais, levando às famílias alívio rápido para dificuldades de relacionamento e comunicação antigos, como explicar que os conflitos não diminuam? Sim, porque é isso que se percebe nos consultórios de psicologia, com crianças de dois anos sendo levadas à terapia por adultos em conflito, que não conseguem manejar as próprias dificuldades de relacionamento, ou estão em processo de separação, esquecendo que os filhos vão vivenciar a tensão e os conflitos a partir de sua pouca compreensão de questões muito complexas para eles. Ou seja, crianças não são adultos em miniatura, não é recomendável falar com elas como se tivessem o mesmo entendimento que pessoas mais velhas, por mais espertas que se mostrem. Afinal, maturidade emocional vem com o tempo, precisa ser desenvolvida aos poucos, sem queimar etapas.
Outro indicativo de que, em lugar de se perceber não apenas as necessidades emocionais das crianças, mas a importância de ajudá-las a assimilar sentimentos negativos, como raiva e frustração, sem se deixar dominar por eles, é a crescente medicalização daquelas que apresentam déficit de atenção e/hiperatividade. Sem questionar a validade desse diagnóstico, como alguns profissionais já tentaram fazer, pergunto-me o que explica essa epidemia de casos, pois os números são assustadores: segundo dados de pesquisa do Instituto de Medicina Social da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), publicados em 2014, houve um aumento de 775% no consumo de ritalina, utilizada não apenas por crianças e adolescentes, mas também por adultos que querem melhorar a concentração e o foco, nos estudos ou no trabalho. Assim, a medicação torna-se resposta rápida para problemas de comportamento e dificuldades cognitivas que podem ter causas passíveis de ser tratadas sem remédios.
Voltando ao começo, proponho uma reflexão: se qualquer pirraça for resolvida com comida ou presente, qual a mensagem que a criança receberá? Que as soluções estão fora dela, que as emoções negativas podem ser superadas com sorvete ou pizza, com bonecas e carrinhos, ou até brinquedinhos eletrônicos, que a resposta para seus problemas está na busca de gratificação imediata, atropelando os verdadeiros motivos que causaram a tristeza ou insatisfação. Se um mau comportamento for respondido com críticas humilhantes, como isso repercutirá na criança? Incutindo-lhe a crença de que seus sentimentos não importam, de que ela não é digna de respeito e amor.
Da permissividade à falta de limites claros quanto aos comportamentos aceitáveis e às punições que não correspondem ao erro cometido, sejam físicas ou verbais, forja-se uma infância pouco assertiva ou capaz de manifestar suas dificuldades e que se torna refém de medicamentos, propagandas de como ser feliz e fórmulas prontas para ser bem-sucedida. Com baixa autoestima, ao crescer a criança duvidará de suas capacidades, se sentirá feia, mesmo sendo bonita, gorda, mesmo estando magra, burra ou qualquer outra autopercepção depreciativa. Para reverter esse quando, é preciso dar voz aos meninos e meninas, além de amor, paciência e tempo, em lugar de coisas.