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A gente não tem chances infinitas de corrigir a rota para alcançar o porto que queremos. Por toda vida, talvez tenhamos três ou quatro oportunidades para acertar o alvo. Aqui me refiro a oportunidades internas – aquelas que nós mesmos nos damos.
Nos últimos tempos muita gente escreveu, nos livros e redes sociais, que devemos abandonar o emprego quando estamos infelizes com ele. Chegar para o chefe, dar uma banana, encher a boca e saltar o sonoro: fui!
Mas a vida como ela é: nem sempre é possível abandonar o lugar onde se ganha o pão com manteiga, os tênis para caminhadas, a mensalidade da escola do filho. Segue lista! Não existe vida sem contas a pagar.
Até mais dramático: não há empregos sem sapos a engolir. Alguns autores, majoritariamente americanos, ganharam bastante grana vendendo mantras nos encorajando a fugir de empregos chatos, burocráticos, repetitivos.
Esses autores perceberam que a maioria dos humanos gostaria de trabalhar em funções e postos desafiadores, criativos, abertos. No entanto, a maior parte dos trabalhadores do mundo está longe dessa utopia.
Eu passei boa parte da minha história profissional esperando o editor genial, o mecenas camarada, o leitor paciente, o dinheiro na conta. Nenhum dos quatro deu as caras. Ou, quem sabe, não foram com a minha cara.
Minha solução foi procurar recursos interiores para trilhar cenários adversos. De jeito algum mudei de ramo. Não apenas por conta da paixão de escrever, mas também pela certeza de que fracassaria em qualquer outra atividade.
Quando percebemos que não podemos sair do emprego, ou que é inviável mudar de ramo, surge uma oportunidade de ouro: se reinventar. Se não dá para transformar a paisagem, que tal olhá-la de um outro ângulo? Repaginar o trabalho pode nos ajudar a ver diferente.
O que não é necessariamente ver coisas novas, mas ver o que estava invisível. Há coisas boas na frente no nosso nariz, implorando por atenção. Várias atividades profissionais são desvalorizas, o que não significa que elas não tenham valor. Valorizar o que fazemos começa com a gente.
Outro dia entrei na Fnac de Pinheiros perguntando pelo Sagarana livro de contos do João Guimarães Rosa, publicado em 1946, considerado um clássico. A vendedora franziu a testa, procurou no computador, disse: Esse título é muito antigo, não temos na loja.
Ouvindo a conversa um outro vendedor me conquistou: Não temos o Sagarana no momento, mas temos o Grande Sertão e o Primeiras Histórias do mesmo Guimarães Rosa. Agora responda: qual dos dois vendedores trabalha mais feliz?