Por Marcela Picanço

Talvez eu seja mesmo um caso à parte, como todo mundo sempre me diz, mas eu custo a acreditar. Sinto-me complemente encaixada e igual às outras pessoas. Com os mesmos dilemas e situações reversas. Por isso, acho que consigo falar de mim e ser ouvida por muitos. A identificação é reciproca. Mas, em alguns momentos em que eu me desligo, sinto-me parte de outro lugar. Como se eu pudesse comandar um mundo feito com as minhas ideias. Sinto-me como a lua em suas nuances. Às vezes, minguo; outras vezes, quero aparecer por inteira. Mas esse processo de transformação me destrói por dentro. Como uma lagarta que vira borboleta ou a cigarra que canta desesperadamente antes de sair da sua casca para encontrar outra dimensão.

Vou tentando, aos poucos, adaptar-me a mim mesma, sem entender muito esse processo. Quando eu mudo, passo os dias refletindo e me testando, até eu dizer chega. Uma hora acaba e eu me acostumo com esse novo “eu”, pronto para dar mais um jeito na vida. Pronta para pegar as malas de novo, sair por aí procurando um lugar que me mantenha sempre viva. Sempre tive muito medo de amar, porque amar era a certeza que eu tinha de que estaria estagnada. Mas amar é só mais uma forma de voar, mantendo a cabeça em algo fixo. E, às vezes, eu sinto que tem um buraco dentro de mim. E, em vez de sair procurando algo que faça essa dor parar de arder, eu me procuro por todos os cantos, até concluir que eu faço parte de todos os lugares. Eu faço parte de mim, mas não há nada no mundo que consiga preencher esse abismo que existe aqui dentro, ou algo que cesse essa fome pelo presente, pelo inconstante.

Se tentam me definir, eu viro bicho. Sempre fui o indecifrável, por mais que tente interpretar minhas ações constantemente. Sempre me confundo entre minhas verdades, porque, para ser tão eu, é preciso ser vários ao mesmo tempo. Desafio-me o tempo todo, dentro da minha cabeça, fazendo um nó que se expande até meus cabelos e os deixam completamente embaraçados. Fico embriagada diante de tanta euforia, ao tentarem me entender. Eu sou o avesso do questionamento, mas também sou o contrário da resposta. Se um dia me encontrar, eu volto pra tentar lhe explicar e deixo de ser tão louca, tão solta, tão eu.

Marcela Picanço

Atriz, roteirista, formada em comunicação social e autora do Blog De Repente dá Certo. Pira em artes e tecnologia e acredita que as histórias são as coisas mais valiosas que temos.

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