Relatos Selvagens e o prazer de perder as estribeiras

Relatos Selvagens é dirigido pelo argentino Damián Szifron e conta com um excelente elenco, entre eles o icônico Ricardo Darín. Dividido em seis episódios, sucesso de crítica e público, o longa retrata pessoas normais que por situações diversas perdem completamente as estribeiras.

Ácidos, ousados e estranhos, os contos são ótimos. O cartão de visita é de um humor negro atroz, um comissário de bordo ressentido com algumas pessoas do seu passado reúne todos no mesmo avião. Em seguida, uma garçonete é obrigada a servir o homem que destruiu sua família. Depois, dois sujeitos que se envolvem numa briga de trânsito não imaginam as consequências dos seus atos. Um engenheiro cansado de ser vítima da burocracia e da corrupção do seu país tem um dia de fúria. Temos, ainda, um pai que tenta evitar que seu filho seja preso depois de atropelar e matar uma mulher grávida. E, por fim, uma noiva que descobre a infidelidade do marido em plena festa de casamento.

De todas as histórias, a protagonizada por Darín é a que possui uma conotação mais social. Ele interpreta um engenheiro e pai de família comum que tem o carro rebocado injustamente no dia do aniversário da filha. Pior, ele precisa pagar uma taxa indevida ao departamento de trânsito, burocrático e corrupto, para liberar o veículo, o que o leva a um ataque de ira. Burocracia e corrupção. Soa familiar?

No entanto, a cereja do bolo está no último episódio, épico por sinal, que mostra a reação de uma noiva, numa atuação fantástica de Erica Rivas, ao saber da infidelidade do marido em plena festa de casamento, cuja amante está presente. Dá para imaginar?

A questão é que Relatos Selvagens mostra, com uma pitada de humor negro, como a injustiça, a burocracia, a corrupção, a traição e outros males que assolam a sociedade causam excesso de estresse em muitas pessoas. O filme fala exatamente sobre essas pessoas, só que aqui elas vão ultrapassar a linha que divide a civilidade da barbárie.

Os personagens cruzam a barreira do permitido, chutam o pau da barraca e perdem mesmo o controle, nos lembrando que não somos seres cem por cento racionais e que nosso lado animal as vezes fica sedento por liberdade.

Sim, no íntimo é possível nos identificarmos com alguns personagens do filme, pois apesar de bons e pacientes podemos ser também impulsivos e vingativos, principalmente quando nos sentimos vítimas em determinadas situações.  Quantos sapos não engolimos nessa vida? As vezes um pode entalar.

Lógico que não defendo aqui a perda de controle como nos episódios de Relatos Selvagens. Longe disso!  O filme mostra tudo ao extremo, porém, sem os absurdos excessos dos seus personagens, é difícil imaginar uma pessoa que nunca tenha perdido o controle na vida.

Até porque, manter o controle não deve ser sinônimo de passividade. Manter o controle não pode ser desculpa para a covardia. Manter o controle não significa represar nossos pensamentos e sentimentos em toda e qualquer situação.

Ninguém gosta de ser enganado, ultrajado ou vilipendiado. Paciência tem limite e estamos fartos de tanta falta de caráter, escrúpulo, moral etc.

No nosso íntimo temos um forte desejo de justiça, por isso quando assistimos em Relatos Selvagens os episódios protagonizados por Ricardo Darín ou Erica Rivas, mesmo sabendo que jamais faríamos o mesmo, é difícil esconder riso no canto do lábio.

Afinal de contas, divertir-se com um filme é socialmente aceitável.

Ana Vasconcelos

Não há limites para a arte, apenas liberdade.

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