Por Josie Conti
Uma das obras mais interessantes que li nos últimos anos foi o livro “Religião para ateus” do escritor suíço radicado em Londres Alain de Botton.
Alain de Botton tornou-se famoso por popularizar a filosofia e divulgar seu uso na vida quotidiana. Em “Religião para ateus” ele demonstra uma profunda capacidade de direcionar seu olhar para os conceitos e práticas religiosas no que elas trouxeram de útil às pessoas e comunidades ao longo dos séculos.
Botton é ateu, filho de judeus não praticantes, e comenta no livro:
“Eu jamais hesitei na minha certeza de que Deus não existe. Eu simplesmente fui libertado pelo pensamento de que pode haver uma maneira de me relacionar com a religião sem precisar endossar seu conteúdo sobrenatural — uma maneira, para colocar de forma mais abstrata, de pensar em Pais sem perturbar minha respeitosa memória do meu próprio pai. Eu reconheci que minha resistência persistente às teorias sobre vida após a morte ou sobre habitantes do céu não podia justificar o abandono de música, edificações, orações, rituais, festividades, santuários, peregrinações, refeições comunais e manuscritos ilustrados das fés.”
Em outros trechos esclarece:
“É possível não sentir atração pela doutrina da Santíssima Trindade cristã e pelo Nobre Caminho Óctuplo budista e, ainda assim, interessar- se pelas maneiras como as religiões fazem sermões, promovem a moralidade, engendram um espírito de comunidade, utilizam a arte e a arquitetura, inspiram viagens, exercitam as mentes e estimulam a gratidão pela beleza da primavera. Num mundo ameaçado por fundamentalistas religiosos ou seculares, deve ser possível equilibrar uma rejeição da fé e uma reverência seletiva por rituais e conceitos religiosos.
É quando paramos de acreditar que as religiões foram outorgadas do alto ou que são totalmente insanas que as coisas ficam mais interessantes. Podemos então reconhecer que inventamos as religiões para servirem a duas necessidades centrais, que existem até hoje e que a sociedade secular não foi capaz de resolver por meio de nenhuma habilidade especial: primeiro, a necessidade de viver juntos em comunidades e em harmonia apesar dos nossos impulsos egoístas e violentos profundamente enraizados. E, segundo, a necessidade de lidar com aterrorizantes graus de dor, que surgem da nossa vulnerabilidade ao fracasso profissional, a relacionamentos problemáticos, à morte de entes queridos e a nossa decadência e morte. Deus pode estar morto, mas as questões urgentes que nos impulsionaram a inventá-lo ainda nos sensibilizam e exigem resoluções que não desaparecem quando somos instados a perceber algumas imprecisões científicas na narrativa sobre o milagre da multiplicação dos pães e dos peixes.”
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A sociedade secular tem sido injustamente empobrecida pela perda de uma série de práticas e de temas com os quais os ateus geralmente acham impossível conviver, por parecerem associados demais com, para empregar a frase útil de Nietzsche, “os maus odores da religião”. Desenvolvemos um medo em relação à palavra moralidade. Nós nos irritamos com a perspectiva de ouvir um sermão. Fugimos da ideia de que a arte deveria inspirar felicidade ou ter uma missão ética. Não fazemos peregrinações. Não podemos construir templos. Não temos mecanismos para expressar gratidão. A noção de ler um livro de autoajuda tornou-se absurda para o erudito. Resistimos a exercícios mentais. Estranhos raramente cantam juntos. Somos presenteados com a escolha desagradável entre abraçar conceitos peculiares sobre deidades imateriais ou abrir mão totalmente de um conjunto de rituais reconfortantes, sutis ou apenas encantadores para os quais temos dificuldades de encontrar equivalentes na sociedade secular.
Ao desistir disso tudo, permitimos que a religião reivindicasse como seu domínio exclusivo áreas da experiência que deveriam pertencer a toda a humanidade — as quais não deveríamos ter vergonha de restituir ao campo secular. O próprio cristianismo primevo era bastante adepto de se apoderar das boas ideias dos outros, apropriando-se agressivamente incontáveis práticas pagãs que os ateus modernos tendem a evitar
Como tudo que envolve a temática religiosa, Alain de Botton sabe que a estratégia de abordagem do livro irritará partidários de ambos os lados:
Os religiosos se ofenderão com uma reflexão aparentemente brusca, seletiva e não sistemática de seus credos. Religiões não são bufês, eles protestarão, em que elementos particulares podem ser escolhidos de forma aleatória. Todavia, a ruína de muitas fés tem sido sua insistência pouco razoável em que os adeptos precisam comer tudo o que está no prato.
Entretanto, o que me mobiliza no livro é, longe da opção pela crença ou descrença em um Deus, é a capacidade do autor de tratar o tema com imparcialidade e bom senso, coisa raríssima em 99% dos debates sobre o assunto.
Acredito piamente na intersecção dos pensamentos e na expansão de nossos horizontes para além de conceitos de “bom” e “mau” estereotipados como em filmes de Bang Bang . Recusar um outro olhar nos impede de ver novas perspectivas, nos torna preconceituosos.
O que, na minha opinião, muitas vezes acontece com pessoas ditas “intelectualizadas” é que elas julgam que o outro, menos preparado, não será capaz de também criar caminhos de conhecimento próprio.
Ao contrário do que muitos pensam, ter um olhar humanista não é o mesmo que ter uma visão simplista das coisas.
Religião para ateus não é um livro para ateus e nem um desrespeito a fé e sim um livro para quem sabe que, para toda história, existem dois pesos e duas medias.
Uma história impactante e profundamente emocionante que tem feito muitas pessoas reavaliarem os prórios conceitos.
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