Sabe aquela menina que você dormiu uma noite, prometeu ligar e nunca ligou? Ela tá por ai. Se formou na faculdade, tirou 10 na monografia, foi contratada por uma multinacional e agora fica nesse vai e vem de aeroportos para dar conta dos compromissos profissionais. Dizem que continua solteira e a espera de um grande amor. Ela pensou em você algumas vezes antes de pegar no sono. Ela esperou sua ligação por meses. Ela seguiu em frente mas nunca conseguiu responder para si mesma o que fez de errado para que você sumisse. A noite, entre uma conexão e outra, às vezes lembra de você.

Sabe aquela menina da escola, aquela nerd que você zuava mas que, em segredo, foi para quem você mandou um coração de pelúcia pelo correio no natal do terceiro colegial? Aquela menina sabe que foi você quem mandou. Ela nunca disse nada, mas te segue nas redes sociais e curte suas fotos às vezes. Ela não ligou pras piadas que você fez dela, mas guardou no coração a pelúcia que recebeu. Ela sempre soube que você emanava luz apesar das atitudes infantis.

Ela ta por ai, parece que mora em outro bairro e que virou feminista empoderada. A noite, quando cai na cama e vê a pelúcia que ganhou na adolescência, pensa em você, faz uma oração e deseja que você seja feliz e que esteja bem onde estiver.

Sabe aquela menina que você levou ao cinema duas ou três vezes e que você adorava conversar sobre tudo? Aquela que ficava até o sol nascer com você na conveniência do posto tomando café com pão de queijo e ouvindo seus problemas? Aquela que atravessava a cidade para ir comer um temaki contigo? Ela ta por ai. Dizem que foi embora da cidade, se mudou pra uma praia e virou garçonete de bar. Ela tinha tanto potencial, lembra? O mundo era dela e você sabia, e você viu, e você a abandonou na noite de natal. Ela já tava arrumada: blusa vermelha, um shorts branco, uma sandália Havaianas novinha, cabelo molhado e maquiagem nude simples. Ela tava pronta e achou que ia ser uma noite especial, mas você desligou o celular e não foi buscá-la em casa como tinha combinado.

Tudo mudou pra ela depois daquela noite.

Sabe aquela menina que aparecia sorrindo no balcão da sua hamburgueria toda terça? Era gente fina né? Era só cliente, mas ficava até fechar, te ajudava a limpar tudo, ia pra cozinha com seu time ajudar a preparar a carne pro dia seguinte. Entre uma preparação e outra, te contava dos sonhos de conhecer o mundo. Os olhos dela brilhavam mais que a lua quando ela começava a contar seus planos. Lembra do sorriso dela quando você perguntava se queria ir pra sua casa tomar um vinho depois? Ela sempre sorria e ela sempre ia. Se demorava no banho quente, pegava uma toalha emprestada no armário que ela já conhecia bem e depois ficava vendo seriados de churrasqueiros com você. Os sonhos dela se tornaram realidade e ela voou, mas os seus sonhos também vingaram. Ela torceu fervorosamente por ti quando descobriu que ia participar do reality show dos churrasqueiros, chamou a família inteira pro sofá. Quando perguntaram quem você era, com aquele mesmo sorrisão de praxe ela respondeu “um grande amigo”. É, grande amigo, ela foi embora e você foi embora mas, de alguma forma, um sempre ficou guardadinho dentro do outro. Nas terças, quando você volta na sua hamburgueria para checar como andam as coisas, às vezes você olha pro balcão e pode jurar que ela tá ali, de roupa de ginástica, com os cotovelos encostados, curiosa olhando cada processo e atenta a sua barba que muda de cor toda vez que você se aproxima do fogo alto.

Sabe aquela menina que te apoiou quando seu filho nasceu? Você achava ela grudenta demais, mas ficava feliz e grato quando ela te emprestava o carro pra você resolver seus problemas, ou quando a solidão batia na porta e você mandava uma mensagem pra ela ir tomar um tererê com limão sem compromisso. O porteiro já a conhecia e a placa do carro tava na lista de autorizados. Ela te buscava no trabalho de surpresa e você não tinha que pegar chuva e 3 conduções para finalmente chegar em casa. Ela te ensinava inglês, te apoiava quando você sonhava alto e comemorou com você o dia em que a melhor agência de modelos te convidou para integrar a equipe. Ela era linda e foi rapidamente substituída por uma colega sua do mundo da moda. Disseram pra ela que a nova namorada não era grudenta que nem ela. Ela abaixou a cabeça e, pensativa, saiu pra caminhar. Quando viu, estava passando na porta do seu prédio, e de lá de baixo pode escutar os gritos da sua nova parceira brigando com você por causa de uma mensagem no celular. Ela nunca mais falou contigo, mas ela viu seu namoro desmoronar, e ficou grata. Você não queria uma parceira grudenta, mas também não merecia uma namorada doentia. Essa semana ela te achou no instagram. Viu você mais maduro de malas prontas pra Inglaterra e lembrou das primeiras aulas. Curtiu uma foto ou duas e depois mudou o foco, já consciente de que o que você chamou de “grude” ela chamou de dedicação e carinho, e que a sementinha do mundo desconhecido que ela plantou na sua mente tinha finalmente desabrochado e virado flor.

Sabe aquela menina? Aquela que você não quis, a que você não correspondeu, a que você destratou, a que você abandonou, a que você substituiu? Ela tá por ai, ela tá super bem.

Talvez tenha encontrado o amor que procurava, talvez não. Continua intensa, continua grudenta, continua verdadeira, continua com sorrisão. Aquela menina que você deixou escapar era tão imensa em seus sentimentos e verdade, que ela te mudou pra sempre e você nem percebeu. Fica tranquilo, você vai entender quando for a hora. Aquela menina tava pronta pro amor, mas você não. Então, consciente de sua resistência, ela bateu asas e voou. Abre a janela, olha aquele passarinho passeando livre. Sabe o que ele tem que você não tem? A liberdade de ser quem ele é e amar com intensidade a cada pouso. Quem esse passarinho te lembra?

***

Photo by Lucas Pezeta from Pexels

Ana Carolina Faria Bortolo

Turismóloga e Administradora de Novos Negócios por formação. Escritora, pintora e dançarina por vocação. Planejadora de eventos, bartender, agente de viagens e vendedora por profissão. Garçonete de navio por opção. Vi o mundo e voltei, e de todos os rótulos que carrego na bagagem, só um me define bem: sou uma ótima contadora de histórias.

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Ana Carolina Faria Bortolo

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