Há em cada um de nós uma espécie de vocação inata para a crítica. Diante dos feitos alheios, temos quase sempre na ponta da língua, um parecer ou opinião. Tão mais fácil analisar, julgar, ponderar e resolver problemas que não são nossos, não é?
Da borda do abismo, o buraco tem uma perspectiva muito diferente daquela observada por quem está pendurado em seu interior. Uma coisa é ter a areia prestes a deslizar a alguns centímetros de distância do bico do sapato. Outra coisa é estar coberto por ela.
Conselhos são bichinhos muito interessantes. Do ponto de vista de quem os oferece, ganham ares de superioridade analítica, revelam-se como presentes valiosos, uma gentileza de quem está protegido em sua caminha seca e quente a quem acaba de ser atingido por um raio no meio de uma tempestade.
Do ponto de vista de quem pediu o conselho, ele pode vir a ser aquele momento em que, depois de se fazer uma pergunta em voz alta, ela parece ganhar clareza. Então somos surpreendidos com uma inesperada capacidade de resolver a tal capciosa situação por conta própria. Sendo assim, enquanto o outro desfia seu rosário de ideias maduras e superiores, internamente já tomamos a nossa decisão.
É claro que algumas vezes pensar em voz alta não adianta de nada. Neste caso, aquele que pediu o conselho, faz a gentileza de prestar atenção no discurso do nobre consultado. Ouve, pondera, acolhe, descarta. Mas, o fato é que no fim das contas, o conselho oferecido raramente será posto em prática em sua íntegra.
Mar tem lá a sua utilidade. Ainda que seja para fazer brotar uma completa rejeição. Quando se pede um conselho, é porque já nasceu no íntimo da pessoa o desejo de resolver o nó da situação. Neste caso, com conselho ou sem ele, meio caminho já foi andado.
Mas, o que dizer daqueles conselheiros crônicos? Aqueles com diplomas imaginários de donos do saber, que saem por aí distribuindo sua tão rara sabedoria. Tudo para eles tem resposta. Aquele dilema que anda corroendo seus miolos há meses, para o sabe-tudo tem uma solução óbvia, e prática, e rápida. Só você, que é tolo, que não viu.
Conselhos dados sem solicitação são, no mínimo, um “pitaco” inútil e, no máximo, um arroto de arrogância. Conselhos espontâneos só servem para lustrar o ego de quem os oferece. O problema maior é que essa oferta não é de graça. Não, não, não!
Quem tem tempo sobrando para cuidar dos problemas, desafios e até conquistas alheias, não pode ser uma pessoa confiável. Em geral, só o que buscam é aplacar a sua incômoda insegurança coma envergadura de uma pose de conselheiro real. No entanto, a maior ameaça que pode vir daí, nem é o conselho inútil. O perigo mesmo é a consequência que pode advir da recusa ao valioso conselho.
Almas rasas e maldosas costumam ter apetites emocionais vorazes. Aqueles que tiveram a audácia de recusar sua magnânima contribuição, entram para uma espécie de “lista negra dos ingratos”. Agora, não são mais inocentes palpites a serem ofertados. Instalado o rancor da recusa, inicia-se a temporada de lançamento de impropérios.
Já que os conselhos não serviram, que se preparem para as violentas críticas. O ego que azedou, não tem como ser adoçado. E não importa o que se faça, sempre será pouco ou equivocado. E, sim, reafirmo que conselhos são inúteis. Portanto o que vai aqui não se trata de conselho. É apenas a humilde mão que estendo àqueles que já tiveram, como eu, a sua cota de gente “com o rei na barriga” suficiente para agraciar as três próximas gerações.
Se uma pessoa rasa ou maldosa se desfizer de você, encare isso como um enorme elogio. Pode ser que você não esteja certo. Pode ser que suas escolhas não o levem nem perto de onde pretende chegar. Mas de uma coisa, pode ter certeza: pensar com a própria cabeça é uma das maiores e mais prazerosas conquistas que se pode alcançar! Seja caridoso com o falso soberano. Ignore-o solenemente!
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