Marcel Camargo

Se ela soubesse que seria tão fácil, teria largado antes

Ela confiou no que sentia por ele e se esqueceu de perceber os sentimentos dele, o que ele sentia por ela – e como sentia -, e esse foi seu maior erro. Ela idealizou um romance de sonhos, de certezas, de verdade, baseando-se tão somente em si mesma, esquecendo-se de prestar atenção nos sonhos dele – se ao menos ele os tinha -, e esse foi o seu maior erro.

Ela sempre achava que ele iria mudar, que ele ouviria seus lamentos, suas queixas, que ele daria atenção ao que ela tinha para dizer. Achava que ele tinha tanto amor por ela, que mudaria seu comportamento naquilo que a desagradava, para tentar fazê-la feliz, afinal, ela mudara muito por ele.

Ela abria concessões, revia idéias, analisava as situações, sobretudo ponderando as opiniões dele, porque acreditava que assim é que se firmava a cumplicidade no amor e na vida. Ela até abriu mão de algumas coisas, deixou de lado algumas aspirações, porque queria que desse certo. Mas ela se esquecia de pedir, de exigir abrir mão por parte dele, engolindo dissabores e decepções, porque queria tê-lo com ela.

Ela queria conversar, expor tudo o que nem cabia direito dentro de seu peito, pois prezava o compartilhamento, a soma, o estar junto de perto, sendo sincera, esperando por ele, por seu olhar, esperando que ele a esperasse também. Ela não se atentava para o terreno árido em que caminhava, para o eco vazio do não retorno que pontuava seus dias, para a reciprocidade inexistente, para o desprezo que o silêncio dele carregava dia após dia.

Numa sucessão de erros, ela tentava agarrar-se ao que não havia, apoiar-se no que não era, contentar-se com o que não saciava, com o nada. Perdendo-se de si, ignorando os avisos que a vida dá, os conselhos de quem realmente se importava com ela, ela afundou-se no mar de ilusões que criara para fugir ao que era fato: só ela se importava, só ela procurava, só ela falava, só ela amava. Só ela, solitariamente acompanhada.

Um belo dia, num desses que não se pode explicar, ela cansou, como que se sua essência doesse, como se sua alma estivesse pesando lá dentro, não conseguindo mais respirar, viver. Ela se viu, enxergou a si mesma diante dele, percebendo toda sua invisibilidade na vida daquele homem que ela tanto amava. Sua dignidade a obrigou a dizer “chega” – com a voz tremendo, com o coração apertado. Saiu correndo daquele relacionamento, como quem ganha a liberdade, mas com medo do que estaria por vir. Ela temia o novo sem ele, mas passou a temer ainda mais o que ela era junto a ele.

E ela foi, desprendeu-se, libertou-se. Chorou muito, noites insones, vontade de gritar e sair correndo atrás dele. Mas ela foi corajosa o bastante para não se esquecer do quanto doía sua vida com ele. Ela não suportava mais a dor. E ela aos poucos foi se reerguendo, aprendendo a ser alguém de verdade, alguém que queria amor de ida e volta, alguém seguro de si, alguém que não aceitaria mais se anular por nada nem ninguém.

E ela, então, finalmente começou a agarrar-se a si mesma, ao que ela tinha de melhor, a tudo o que a vida lhe oferecia sem a presença dele, sem a mendicância afetiva a que ele a submetia, livre do peso morto das súplicas vazias e sem resposta. Ela descobriu-se gente de verdade, porque podia fazer o que queria, ser quem queria, sem precisar conceder, sem precisar da aprovação de ninguém.

Ela se sentiu feliz, realmente e verdadeiramente feliz, livrando-se da necessidade de ter alguém para poder viver, sem precisar implorar por atenção, pois quem ela era atraía olhares e sua confiança a tornava mais linda e querida por onde passasse. Como ela estava bem, como se sentia melhor, só lamentava o tempo perdido junto a um homem que não sabia amar – quanto tempo…

Ah, se ela soubesse que seria assim tão fácil e tão melhor a vida sem ele, teria se libertado bem antes. Mas ainda havia tempo, muito tempo, e ela não se permitiria aceitar menos do que tudo o que alimentava as batidas do seu coração. Nunca mais…

Imagem: Bojan Ristic/shutterstock

Marcel Camargo

"Escrever é como compartilhar olhares, tão vital quanto respirar". É colunista da CONTI outra desde outubro de 2015.

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