Marcel Camargo

Se hoje enxergo longe, é porque tive ótimos professores.

Ser professor é passar fins de semana à volta com papeladas, provas, digitação de notas, busca de materiais pela internet. É nunca estar satisfeito e querer sempre mais, não se acomodando, porque aluno instiga e força essa dinâmica célere que faz parte da vida dele. E o professor faz parte do cotidiano de centenas de pessoas, todos os dias úteis da semana, por um ano ou mais, tornando-se elemento integrante da vida de cada ser humano que se senta ali nas fileiras. Ensinar é aprender a conhecer cada um deles, cada rosto, cada sorriso, cada mudança de humor, entendendo-os em sua porção mais humana.

Ser professor é ter a consciência de que muita coisa da vida de cada aluno acabará explodindo na escola, principalmente quando a confiança ali depositada torna-se forte. É perceber que os alunos também possuem a própria vida, a própria história, uma forma peculiar de ver e de sentir o mundo. Porque sem empatia ninguém ensina nada. Por isso mesmo, ser professor quase nunca é um filme de sessão da tarde, tampouco é conseguir obediência e disciplina facilmente; às vezes nem se dispondo de materiais e de ambientes adequados ao processo de ensino aprendizagem, em classes superlotadas. Necessita-se, assim, utilizar o que se tem dentro de si, além do conhecimento, seguindo instintos, para que a classe enxergue no docente alguém que vale a pena ouvir.

Ser professor não é, ao contrário do que se dissemina, pura e simplesmente vocação, tampouco sacerdócio, mas sim estudo, disciplina, doação, luta e sobrevivência, uma vez que hoje, mais do que nunca, existem espaços muito violentos, aos quais a sala de aula não consegue fugir. Daí a necessidade de estudar sempre, ressignificando a própria docência, para que os ensinamentos se ajustem aos novos tempos, cada vez mais novos. Ser professor é sair de casa às seis da manhã e retornar à meia-noite, passando o dia entre escolas, engolindo lanches em parcos intervalos, no ônibus ou no carro, enquanto se espera o semáforo abrir. Porque quem sobrevive somente do magistério muito provavelmente possui jornadas duplas e triplas, enquanto aguarda a valorização merecida.

A grande maioria dos professores é guiada por um ideal, por desejos que implicam mudar o mundo. A gente sabe que uma sala de aula pode ser o começo de tudo: de grandes amizades, de novas formas de enxergar a vida, de conhecimentos em expansão, de amor, de redenção, de desabafo e expiação. Professores são um pouco de tudo, muitas vezes se virando como psicólogos, pai, mãe, confidente, juiz, advogado – às vezes mocinho, às vezes bandido.

Professores possuem um grande poder em mãos: o de tornar o mundo melhor, menos doído, fazendo com que cada aluno acredite em seu potencial, em toda a grandeza que possui dentro de si e que muitas vezes teima em ficar ali escondido. Professor tem que carregar verdade, porque é preciso que se estabeleça confiança entre ele e a classe – e confiança a gente consegue sendo verdadeiro, sem floreios, sem meias palavras. E a gente se expõe e se machuca, mas também colhe muita coisa boa e que faz valer a pena cada lágrima e cada suor de nossa jornada.

E quão prazeroso e reconfortante é encontrarmos ex-alunos, sermos reconhecidos onde estivermos e percebermos a diferença que fizemos na vida de alguém. Não conseguiremos alcançar a todos, nem tocar o coração da classe inteira, mas sempre haverá quem olhará para nós com admiração e confiança. Professores são humanos e também levam para a sala de aula as aflições que atingem a sua vida, o que pode interferir em seu trabalho negativamente. Haverá aulas brilhantes e aulas insossas; haverá anos letivos de luz e outros mais densos. Mas sempre haveremos de deixar ao menos uma centelha de sabedoria e de humanidade afetiva plantada por onde passarmos, para que o conhecimento e a capacidade de mudar o mundo nunca sejam esquecidos ou diminuídos em sua importância.

*Dedico este texto aos professores e alunos que me tornaram mais gente ao longo de minha jornada nas escolas por onde passei. Eles sabem quem são, nem preciso nomeá-los.

Imagem de capa: wavebreakmedia/shutterstock

Marcel Camargo

"Escrever é como compartilhar olhares, tão vital quanto respirar". É colunista da CONTI outra desde outubro de 2015.

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