Por Fabrício Carpinejar

Minha namorada me convidou para dançar em público.

Público significa meus amigos e os dela em nosso apartamento. Era uma festa com mais de 35 pessoas.

Dançar para os outros é uma loucura para mim: eu que me encostava nas paredes na adolescência, eu que mexia a garrafa de cerveja para fingir desinteresse na pista das baladas, eu que era travado e de pernas duras, incapaz de sambar sem olhar para os pés.

Em um único movimento de mãos, com seu gesto de bandeja “Vem fazer uma performance!”, Katy desafiou todo o meu passado, todas as minhas amarras, todas as minhas fobias.

– Performance? Que performance?, questionei.

– A que vamos inventar – ela respondeu.

O salão abriu para nos assistir. Tremia, mas fechei as pálpebras com a consciência de uma boca.

Ela colocou nossa música, “O Último Dia”, de Paulinho Moska, e me puxou com força.

Rodopiamos, descemos os joelhos, ela confiava em mim, ela dançava simples e fácil, como o vento é simples e fácil a uma criança – pegava impulso para o balanço e chegava o mais próximo possível das traves.

Jogava os cabelos para trás e me adivinhava. Seus braços eram pernas, suas pernas eram asas enraizadas em minha cintura, voei com os ouvidos.

O ritmo recebia apenas uma breve trégua dos lábios ou do rosto roçando, para o torvelinho nos arremessar de novo aos lados. Não concebia se aquilo que fazíamos era dança ou patinação artística.

Não encarava mais ninguém, o apartamento foi esvaziado pelo nosso desejo de se pertencer, de não ser ninguém para ser dois.

Celebrávamos o amor, nos oferecíamos ao amor, amadores e espontâneos em cada movimento, viscerais e intuitivos, animais que confundem fome e pressa.

No final da canção, ela se curvou e não estava próximo para segurar sua cintura. E caímos com violência no chão.

Só deu tempo de deixar meu dorso como travesseiro de sua cabeça.

Enquanto os amigos acreditavam que havíamos nos machucado, descobríamos que havíamos nos curado.

Deitados no tapete, gargalhamos da ensurdecedora queda. Porque a queda é também improviso. A queda é onde acontece o melhor abraço. O mais humilde abraço. O mais sincero abraço.

Naquele momento antes de subir e finalizar a coreografia, lembrei de nossa conversa durante o primeiro beijo.

Eu tinha dito com orgulho “Somos muitos!”, quando ela me corrigiu “Temos que ser menos, cada vez menos, até ser um só”.

Em uma noite, aprendemos a cair juntos, a nos levantar juntos, a matar o medo do vexame.

Publicado no site Vida Breve

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