Não sabemos quanto tempos possuímos na terra, muito menos temos a capacidade de ter a compreensão completa do mundo que nos cerca. Chegamos a um mundo estranho e na maior parte do tempo avesso aos nossos sonhos. Chegamos como uma folha em branco, sem qualquer rabisco ou cor, sem amassos ou rasuras, e quando nos damos conta, o tempo para preenchê-la acabou e a deixamos em branco, da mesma forma que a encontramos quando chegamos, sem sinal de vida, sem qualquer desenho ou palavra, em uma história triste de um silencioso nada.
Estamos sempre com pressa, preocupados com banalidades que não dizem nada a respeito de uma pessoa. Acostumamo-nos com a dor e pouco a pouco vamos nos esquecendo do prazer. Perdemos a capacidade da observação, de olhar e enxergar as belezas presentes no mundo, enxergar as delicias que nos fazem gozar e nos prendem à vida.
Vamos ficando engessados e medrosos conforme vamos envelhecendo. As feridas que acumulamos se transformam em crostas de dor que nos aprisionam e nos impedem de sentir. Ficamos presos dentro dos nossos monstros e nos entregamos à escuridão. E, assim, a vida passa sem nos darmos conta, como se estivéssemos no piloto automático, e a folha vai se tornando mais amarelada e sem vida.
É tolice deixar que o medo nos suplante e os fracassos desnutram a nossa alma. Se a vida é uma folha em branco, devemos riscá-la até a última gota de tinta que nos resta. Sem medo das quedas que inevitavelmente iremos sofrer, afinal, o que há de tão ruim em cair e se ferir? Enquanto caímos e nos ferimos, continuamos a ter cor dentro de nós e permanecemos com a bela capacidade de sentir. Obviamente há dor, mas a dor é o que nos faz mais fortes e nos permite encontrar as verdadeiras felicidades que não são perceptíveis para os que não possuem a capacidade de sangrar.
Lembrando Kafka – “Se você não achar nada nos corredores, abra as portas”. Sempre há novas saídas, novas possibilidades, novas descobertas, novas tintas a serem experimentadas. A vida possui possibilidades infinitas para quem está disposto a procurá-las e alegrias inimagináveis nas simplicidades cotidianas, escondidas no silencioso desespero dos ecos de palavras não ditas.
A vida nunca é uma obra de arte encerrada, mas antes uma reinvenção constante, cheia de magia e tristeza, em proporções desproporcionais, incompreensível a pequena medida que somos. Sendo assim, é preciso coragem para se equilibrar no fio da navalha, para fazer de cada desilusão o combustível para ultrapassagens e, acima de tudo, para da falta de algumas tintas inventar novas cores e da falta do pincel transformar os dedos em grandes gizes de aquarela.
A reinvenção é condição necessária para que folhas em branco sejam transformadas em belas obras de arte, marcadas por traços finos e vibrantes, mas também por rasuras, alguns borrões e coisas indecifráveis. Podemos decidir não encontrar a dor ou por sua causa ficarmos sufocados pelas poesias entaladas na garganta. Podemos ficar desencorajados a continuar pintando pelas intermináveis pedras que aparecem nos nossos caminhos. Podemos chegar ao fim da vida com folhas em branco ou com apenas alguns borrões, que nunca foram passados a limpo por medo de continuar se sujando. Mãos limpas não constroem quadros bonitos, porque para se fazer arte é preciso estar disposto a se sujar.
Se a vida é uma folha em branco não perca a oportunidade de transformá-la, a todo o momento, independente das circunstâncias, em algo que seja permanente e supere a nossa finitude, pois o fim, bem como as pedras, não é avisado e papel em branco não possui vida, portanto, é amassado, esquecido e jogado fora, como uma história triste de um silencioso nada.
RESUMO:
A vida nunca é uma obra de arte encerrada, mas antes uma reinvenção constante, cheia de magia e tristeza, em proporções desproporcionais, incompreensível a pequena medida que somos. Sendo assim, é preciso coragem para se equilibrar no fio da navalha, para fazer de cada desilusão o combustível para ultrapassagens e, acima de tudo, para da falta de algumas tintas inventar novas cores e da falta do pincel transformar os dedos em grandes gizes de aquarela.