Se você nunca entrou no chuveiro de meias; nunca esqueceu uma panela no fogão; jamais compareceu a um compromisso no dia, horário ou local equivocados; nunca mandou mensagem para a pessoa errada (ai minha Nossa Senhora da Saia Justa!); nunca pagou duas vezes a mesma conta e deixou de pagar outra; jamais trocou o nome do namorado ou namorada; nunca perdeu as chaves do carro, o guarda-chuva ou o celular; jamais sentou na cadeira errada do cinema, com absoluta certeza de que era a certa; nunca pegou o carrinho alheio no supermercado e só foi descobrir algumas voltinhas depois… Chiiiii… Esse texto não é para você. Ou será que é?
A perturbadora verdade, meu incauto leitor, é que mais da metade da população do planeta sofre de distração. E essa é uma excelente notícia! Assim, antes de começar a comemorar o fato de não se enquadrar nessa estatística, saiba que os distraídos são mais criativos, têm mais facilidade a ter empatia pelo outro, são mais flexíveis, leves, amáveis e inteligentes. É… Pois é!
O PODER DA MENTE DISTRAÍDA
A capacidade de ignorar estímulos sem importância no entorno, configura uma vitória de nossa organização biológica sobre o ambiente. Esse atributo é conhecido como diminuição da inibição latente; e, graças a ele, nossos ancestrais mais dispersos foram capazes de sobreviver a situações perigosas. O fenômeno é explicado por uma lógica bastante simples: caso nosso amigo do passado caminhasse pelos campos tentando absorver atentamente tudo ao seu redor, só perceberia a aproximação do predador quando já fosse tarde demais, posto que permaneceria tenso dada a importância que confere a todos os estímulos. Em contraponto, aqueles que conseguem abstrair ruídos e movimentações irrelevantes, têm a sua atenção atraída quando algo realmente importante desperta seu interesse, foco e capacidade de reação, sendo capazes de tomar decisões mais rápidas e eficientes.
MUITO MAIS CRIATIVOS
Estudos realizados pelo Departamento de Psicologia da Universidade de Harvard apontam para uma descoberta interessante: a criatividade aparece muito mais desenvolvida naqueles indivíduos que liberam a mente para vagar por aí, alternando essas “viagens” com períodos de pensamento focado e consciente. Essa alternância torna os distraídos mais aptos a resolver problemas, quer sejam reais ou de proposição fictícia. O estudo revela ainda que, esse processo de criação apresenta um sistema cerebral semelhante à ação do neurotransmissor Dopamina, cuja liberação gera impulsos elétricos entre os neurônios e aumenta a atuação das áreas do cérebro responsáveis pela motivação, cognição e memória de trabalho. A pesquisa explica que a Dopamina tende a promover processos cognitivos oriundos da conexão entre ideias, saberes e percepções; além de propiciar a ampliação na interpretação de fatos e conceitos, o que leva a escolhas mais criativas diante de imprevistos e situações inusitadas.
GRANDES SACADAS
Mas caso você não tenha tido a sorte de ser contemplado com uma cabeça que vive nas nuvens, nem tudo está perdido. De acordo com pesquisas realizadas na Universidade British Columbia, no Canadá, há diversas formas de criar um ambiente de pensamento menos engessado para o cérebro.
A Universidade Canadense questiona, por exemplo, a validade da estratégia do Brainstorming, por meio da qual um grupo vai lançando uma chuva de ideias, preocupando-se em manter o foco num assunto determinado, sem a crítica imediata dos participantes sobre elas. De acordo com o estudo, uma ideia rebatida por outra, espontaneamente – pautada em um ponto de vista opositor – eleva o patamar de pensamento de todos os envolvidos na tarefa. Sendo assim, a discussão menos formal e regida por pensamentos mais soltos e instintivos, abririam horizontes para novas interpretações e estabelecimento de relações.
Outras revelações vêm somar-se ao estudo. O uso de folhas de papel azul, por exemplo, facilita o surgimento de “ideias luminosas”, pela associação com a amplitude do céu e do mar, proporcionando à mente o relaxamento necessário às descobertas e associações. A cor vermelha deve ser usada em registros cuja memorização e atenção sejam o principal objetivo; no entanto, essa mesma cor inibe o processo criativo, posto que lembra perigo e advertência. Assim como o papel azul, o banho ou atividades livres na água, favorecem a ampliação do pensamento, já que o contato do corpo com esse elemento, aumenta a quantidade de ondas cerebrais Alfa, ligadas às manifestações cognitivas.
RIR SEM ECONOMIA
Em função de sua postura menos tensa e mais flexível diante da vida, os distraídos costumam, também, rir com mais frequência; são capazes, inclusive, de rir dos próprios erros, o que é altamente indicado para manter a mente relaxada e saudável. Uma boa e gostosa gargalhada libera endorfina, aumenta a frequência cardíaca, reduz a pressão arterial, eleva o fluxo sanguíneo e diminui a tensão muscular, provocando aquela deliciosa sensação de moleza. Enquanto a raiva e a seriedade excessivas aumentam a pressão arterial e os índices de colesterol, promovendo uma maior incidência de problemas cardiovasculares. Sendo assim, ria com gosto! Não economize boas gargalhadas e fuja de testas franzidas e caras emburradas.
Os cientistas John Kounios, da Universidade Drexel, e Mark Beeman, da Universidade Northwestern – as duas nos Estados Unidos – garantem que o riso melhora em até 20% a nossa capacidade de não entrar em pânico diante de situações inesperadas, e aumenta a nossa disposição a realizar tarefas para as quais não nos consideramos muito aptos. O riso alivia a tensão e a ansiedade induzidas por situações de perigo e remete a emoções positivas de prazer. Assim, é realmente oportuno dizer que “o riso é um excelente remédio”.
GENTE DO BEM
Caso você seja um distraído e tenha lido o texto até aqui, deve estar se sentindo redimido das tantas vezes em que foi resumido às coisas que perdeu, os compromissos que esqueceu ou a tudo que não ouviu porque “vive no mundo da lua”. Nesse caso, trate mesmo de abrir um enorme sorriso e comemorar a sua maneira mais leve de existir nesse mundo. É que além de serem mais criativos, inteligentes e interessantes, os distraídos possuem também uma maior capacidade de ter empatia pelos outros. E isso, pode acreditar, não é pouca coisa! Ter empatia é ser capaz de ir viver um pouquinho dentro do outro, sentir a dor que ele sente, o prazer que ele sente, o medo, a alegria e a tristeza, sem julgamentos mesquinhos. Os distraídos são assim, não prestam atenção às grandes coisas importantes no mundo dessa gente prática, enérgica e altamente produtiva; mas são capazes de oferecer a sua atenção principalmente àqueles que já tenham se acostumado com a invisibilidade, que só quem é “diferente” é capaz de compreender.
Imagem de capa: Flotsam/shutterstock