Em tempos de rede, tornou-se extremamente difícil ficar sozinho. Digo mais, estar sozinho revestiu-se de um significado muito negativo, como se a solidão trouxesse à tona algo ruim que queremos esconder e/ou não lembrar. Entretanto, se ficar sozinho produz um incômodo perene em nosso ser, o problema não está na solidão, e sim, em nós.
As relações humanas são fundamentais para que possamos nos desenvolver individualmente e coletivamente, ou como diz Exupéry, é o maior luxo que podemos ter. Contudo, para que consigamos usufruir plenamente de qualquer relação, é preciso que sejamos inteiros, o que significa dizer, que precisamos nos conhecer, estar em harmonia com as nossas entranhas, ter na solidão uma parceira de dança.
Essa solidão que promove a máxima socrática do “conhece-te a ti mesmo” é também chamada de solitude, e difere da solidão patológica (a que afasta o ser do mundo) por promover o encontro com o nosso eu despido de qualquer máscara, subterfúgio ou proteção que usamos na vida social. Encarar a si mesmo em meio a tantas pessoas nem sempre é uma tarefa fácil, até por isso, a solitude torna-se fundamental no processo de introspecção, autoanálise e descobertas que fazemos.
Ter um tempo só para nós, em que possamos investigar as nossas longitudes, vasculhar os nossos pensamentos, lavar os nossos avessos, é imprescindível para que a nossa casa esteja minimamente arrumada. Nesse processo, encaramos monstros que insistimos em não confrontar, refletimos sobre o modo como estamos levando a vida e o que queremos dela, como temos nos portado nos nossos relacionamentos, conseguimos olhar de modo mais maduro e crítico para os nossos fracassos ao passo que direcionamos as coordenadas para novos sonhos, além de descobrir coisas maravilhosas acerca do nosso eu que sequer imaginávamos.
Ou seja, a solitude consegue nos levar a um grau muito maior de autoconhecimento e, consequentemente, de felicidade, já que quando se é um forasteiro de si próprio é impossível ser feliz. Da mesma forma, ela permite aumentar as cores dos nossos olhos, iluminar a nossa alma e, assim, enxergar mais belezas no mundo que nos cerca.
No entanto, encarar-se sem nenhum tipo de “proteção” é uma experiência que a maior parte de nós procura desesperadamente escapar. Isso se dá porque temos medo, como disse, de encontrar algo que nos desagrade ou nos faça sofrer. Mas, ao buscar o prazer inevitavelmente esbarramos na dor. Portanto, se quisermos descobrir o que somos, o que queremos e, desse modo, razões muito mais fortes para viver e ser feliz, não há como também não sofrer e enfrentar os nossos monstros.
Encarar a nossa “natureza selvagem” não é fácil, mas permanecer sendo um completo estranho de si também não traz nenhum benefício, já que, se ao estarmos sozinhos sentimo-nos sempre incomodados e tristes, é porque de tanto não nos “encontrarmos”, acabamos nos tornando terra seca para que as nossas próprias belezas consigam florescer. É apenas quando nos sentimos em harmonia com a nossa solidão, que conseguimos romper a solidão do outro e nos conectar, pois, como diz o poeta: “Enquanto não atravessarmos a dor de nossa própria solidão, continuaremos a nos buscar em outras metades. Para viver a dois, antes, é necessário ser um”.
Nota: O título do texto faz parte da letra da música “Três Dias” (autoria de André Dahmer e Marcelo Camelo).
Imagem de capa: Anmar/shutterstock
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