Acorda. Levanta. É tempo de ir adiante. O que tinha de ser, já foi. Reconhece. É hora de fazer em outro canto o que não se pode mais fazer aqui. Olha em volta. De um lado, gente demais se esbarrando, se batendo, se trombando. De outro, caras fechadas em grupos impermeáveis, inacessíveis, fazendo questão de mostrar em gestos e olhares que você não é pessoa bem-vinda. Deixa pra lá, esquece, segue seu rumo.
Seu lugar não é mais este. Já foi. Como todas as coisas que passam, seu tempo de estar aqui passou. Reconhece. Respira, abre os olhos e sai. Vai ver a vida que anda lá fora, a lua, a rua, o sol quente, a gente. Vai que aqui não há mais o que fazer, mais o que amar. Seguir seu rumo é dessas coisas que ninguém há de fazer em seu lugar. Só você pode ir embora. E é hora.
Vai ser quem você é. Não o que lhe inventaram de ser. Respira longe da multidão violenta. Tenta. Aproveita seus dias como quer. Vai olhar o mar, pisar na grama, fazer silêncio enquanto mira curioso um hospital desativado. Fica ali, espiando de fora. Imagina a correria de outros tempos, o entra e sai de antes, pacientes, gestantes, o som das ambulâncias, o choro dos bebês chegando, o pranto de quem vê os seus partindo. Imagina tudo isso e lembra, lembra aí dentro que tudo passa, a toda gente tudo passa, e que viver é tão urgente.
Demora não. Passar do prazo onde já não há vida é aceitar a morte mais cedo. Morrer sem ter vivido, ser fruto que apodrece antes de ser comido. Recusa, reage. Faz as malas e vai. Vai que é tempo.
É tempo de virar o disco, passar a página, soltar o freio, seguir adiante. Ficar aqui, à espera do que não virá, é abrir mão de viver o que lhe resta em outro lugar. É deixar à espera alguém que, em algum canto, aguarda por você. Alguém que sonha com a sua alegria, sorri das suas histórias, que lhe guarda uma cadeira no cinema e um carinho de boa noite antes do sono. Mesmo sem saber se você é verdade, alguém espera sua chegada com saudade. Tem alguém melhor esperando você ninguém sabe onde, só Deus sabe o quanto. Por favor, não o faça esperar tanto.
Vai, se arruma, segue. Vai com a força da boa vontade que faz falta em tanta parte. Mas que aqui já não faz diferença. Vai, parte.
De tanta coisa boa que se há de fazer na vida, aceitar nosso tempo de ir embora mora decerto entre as mais difíceis, mais bonitas e mais generosas. É preciso ser bom nisso. Aceita. Aceita e vai.
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