Em qualquer trabalho, se eu espero o outro fazer por mim o que é a minha obrigação, eu não passo de um folgado, relapso, encostado e enganador. Assim é em todo canto. Por que raios no amor há de ser diferente?
O amor é um trabalho e amar a mim mesmo é a minha primeira obrigação. Se eu não me amo e espero o outro fazê-lo em meu lugar, é porque eu sou um péssimo amante! Quem não ama a si mesmo não tem condições de amar o outro nem deve dele esperar amor. É muito simples. Quem é que pode oferecer o que não tem?
Guardadas todas as proporções, é como chegar de mãos vazias a uma festa onde cada convidado contribuiu levando comida e bebida. Lá estão você e sua cara de pau consumindo o que é dos outros sem colaborar com nada. Bonito, né?
Quem não tem amor por si mesmo não pode ter amor pelo outro. Logo, ao receber amor de alguém, pelo menos no primeiro instante, não vai retribuir. Vai guardar aquele amor para consumo próprio feito uma droga, uma medicação.
Bom momento para outra observação importante: a pessoa que tem amor de verdade por si mesma dá amor ao outro sem nada exigir em troca. Abastece de amor alguém a quem o sentimento amoroso anda em falta ou divide seu amor próprio com alguém que também se ama. E se acaso entrar em uma relação vampiresca, com pessoa que só recebe e não retribui, uma hora isso vai lhe cansar a beleza. Então ela vai passar a mão em suas coisas e seguir em frente, ué! Depois, quando quiser e se acontecer, vai dividir com outro o amor que tem de sobra por si mesma.
Dia desses, li por aí uma frase que dizia mais ou menos assim:
“Se você entra na vida dos outros, faz bagunça e vai embora, um conselho: coração gosta de sim e não. Se não sabe onde quer ficar, fique na sua.”
E eu fiquei na minha, pensando no quanto esse tipo de raciocínio protecionista, recriminador e repreensivo se tornou comum hoje em dia. Pena, porque é uma premissa tão estapafúrdia quanto o comportamento de quem se acha perfeito e, por isso, exige perfeição de seus parceiros amorosos, amigos, parentes e colegas.
Com todo o respeito, é discurso de quem cobra dos outros aquilo que tampouco faz. Denota nada senão o típico comportamento da pessoa que não se gosta e espera que o outro vá fazer isso por ela.
Pensemos juntos, minha gente. Se o outro entrou na minha vida, “fez bagunça” e foi embora, foi porque eu permiti. E se eu não cuido de quem entra na minha vida, ou se eu deixo qualquer um entrar, é porque eu larguei o portão aberto, fui desmazelado, descuidei. Não fiz direito o que é a minha obrigação. Se o coração gosta mesmo de sim e de não, como quer o autor da frase que eu li por aí, e eu deixei alguém bagunçá-lo, então eu não cuidei direito do meu próprio coração. A responsabilidade, então, é minha.
Cá entre nós, eu aposto que algum interlocutor abespinhado vai dizer que estou “culpando a vítima”. Não é o caso. Eu não penso que o culpado de um assalto é o assaltado que deixou o vidro do carro aberto ou não instalou um alarme em casa. Também acho absurdo e criminoso insinuarem que a culpa de um estupro é da vítima, por estar sozinha em local indevido, por suas roupas ou por qualquer outro “motivo” absurdo. Não é nada disso. São coisas diferentes.
Eu só não espero que o outro faça por mim o que é a minha obrigação. Começando por amar a mim mesmo.
Imagem de capa: Victoria Chudinova/shutterstock