Desprender de certas coisas é minha maior necessidade. Começo pelo espiritual, com o que me comove dentro de mim, sempre. É lá que estão todas as minhas malas secretas guardadas, algumas, sequer abri para olhar o que há dentro delas. Gosto mesmo é de me esvaziar e sentir como se não existisse nada dentro de mim, como se estivesse pronta para uma nova construção, não interessa o tamanho, contanto que me dê ritmo, respiração, musicalidade. Adiar essa construção é um ato de egoísmo.
Existem ruídos também que me incomodam como sinos intercalados em sincronismos estridentes. Às vezes nem nos damos conta que esses barulhos tiram muito da nossa capacidade de observar as coisas mais silenciosas e fascinantes que estão tão próximas como o vento que roça devagar nossa face. É como um ato despercebido que pode vir de qualquer pessoa, como um milagre, algo que jamais poderia acontecer diante da nossa racionalidade.
Não, acho que não necessito dela – dessa racionalidade que impede de viver qualquer experiência que vá a fundo em nossa percepção, como uma experimentação particular do cálice sagrado. Preciso muito mais da loucura perto de mim. É ela que me traz cores e alegrias fora do comum! Não me importo com julgamentos, eles estão aí, por toda parte nos iludindo com falsas acusações.
Um livro aberto, mas cheio de segundas e infinitas intenções, é como me dispo para os olhares que fingem entender os atos humanos nas suas mais sublimes transformações. É minha metamorfose necessária, por assim dizer. Mas nem sempre me vejo como gostaria que fosse, é como algo que permanece mudo, mas ecoa por quarteirões inteiros. É muito mais como gostaria de me ver em todos os detalhes, perfeitamente e completamente. E que espécie de perfeição é essa? Não teria como saber, pois é mutável e violenta, só experimentando seus momentos provocativos para me convencer de como ela realmente é.
Muito mais que ser e sentir, é sobretudo se abandonar e se entregar para a vida, é voltar a ser a novidade inquieta que necessita olhar ao redor e tecer romances e fantasias, ainda que nunca aconteçam na realidade, mas estão ali fervilhando como uma pessoa prestes a sair de uma prisão. E a maior prisão só pode existir dentro da gente.
O melhor disso tudo é que tantas vezes ainda temos tempo para tomar nossa liberdade nas mãos, pegá-la como num roubo, furtivamente, com todo o desejo de possessão que aguça o mais excêntrico dos mortais, como a beleza narcísica que se instala numa pessoa e não cansa um momento sequer de cobiçar a si mesma. A isso chamo de minha forma de me pertencer.
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