É chegado o momento em que parece não existir outra saída! Tenho a sensação de que meu corpo está sem pele e todas as coisas me atingem, ferindo diretamente a minha carne! As coisas não fazem mais sentido! Sinto-me em pedaços, sem pertencimento a este mundo hostil que tanto me feriu. Se eu fechar meus olhos para sempre, toda a dor terá fim e não mais haverá desespero diante dessa insuportabilidade de existir!

Muitos de nós poderemos ter em algum momento da jornada um desejo imenso de desistir de nossas próprias vidas por sentirmo-nos impotentes diante de um sofrimento incomensurável ou de situações aparentemente sem saída. Mas afinal, “o que quer a alma ao imaginar, ou ao realizar em ato irreversível, diante do mundo, essa possibilidade simultânea de matar e de morrer?” (James Hillman)

A morte, ao contrário do que podemos pensar, não somente é o fim da vida, mas algo que nos acompanha desde o nascimento. Quando deixamos de ser crianças e nos tornamos adolescentes, por exemplo, muitas coisas morrem e outras nascem nessa transição. Assim, também acontece quando iniciamos e terminamos etapas e relacionamentos ou quando decidimos mudar coisas em nós. Do ponto de vista psicológico a morte é tida como um caminho necessário à transformação; a vida nova brota da morte e a partir dela é que nos desenvolvemos como ser humano.

Mas é claro que, todos nós, durante nossa trajetória, vivemos algumas coisas e outras deixamos de viver. Primeiro porque certamente somos incapazes de viver todas as experiências possíveis e, segundo, porque muitas das coisas que teríamos que viver nos serão negadas por situações diversas e que estão fora do nosso controle: pais negligentes ou cuidadosos demais, fome, excessos, pobreza, riqueza, doenças, abusos, traumas, perdas, exigências sociais e etc. Enfim, dentre tudo aquilo que somos, existe uma série de coisas que nunca deveríamos ter sido ou nunca seremos.

Nem sempre as condições que vivemos serão capazes de desenvolver em nós a flexibilidade necessária para lidarmos com as questões relegadas e que cobrarão seu espaço de modo avassalador em algum momento da vida em que não estaremos prontos para suportar.

O desejo suicida, quando não for fruto de uma desordem realmente química do corpo, virá frente à impotência para lidar com questões da vida, à falta de alternativas para lidar com o que o mundo externo causa em nosso mundo interno, às mortes simbólicas que precisaríamos realizar, mas que, por algum motivo, não demos conta.

Quando a morte é ignorada na realidade psíquica, em seu simbolismo, ela se projeta de modo concreto sobre a pessoa, podendo de fato ser consumada para aliviar o desespero e a dor. A pessoa não quer morrer realmente e sim, parar de sofrer.

No dia a dia, as fantasias suicidas que atormentam nossa consciência são pistas que nos levam a um “assassino interno” que se torna cada vez mais ameaçador quanto mais não é “ouvido”. Ele nos convoca a uma transformação que nos fará, na experiência da sombra, alcançar a luz. Desse modo, podemos pensar que a morte simbólica, diferente do suicídio, resgata-nos para a vida e sua continuidade.

“Hoje acordei e o sol estava lindo! Sentei para almoçar e à mesa recordamos com carinho e saudade do meu primo que perdeu a vida aos dezenove anos por um câncer. Minha avó chorou e pude dar-lhe um abraço apertado. Depois fomos ao teatro. Depois ri de uma piada engraçada que postaram no meu perfil. Fui ao mercado. Tomei banho. Fui à Igreja. Fiz amor. Briguei com meu irmão. Fui ao casamento da minha irmã.

 Me formei na faculdade…

Poderia não ter vivido nada disso se não tivesse entendido ontem que aquele desejo de morte só queria me dizer que, apesar de toda dor, a vida seguiria e encontraria outros caminhos! Ah se eu não tivesse esperado o próximo amanhecer!”

Juliana Pereira dos Santos

Psicóloga, especialista em Psicologia Clínica Junguiana. Aprimoranda em Psicopatologia e Psicologia Simbólica pelo Instituto Sedes Sapientiae e Coach formada pela Sociedade Brasileira de Coaching. CRP: 06/ 108582

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