Algumas pessoas sentem mais que outras, isso é fato. Algumas são mais sensíveis, absorvem mais mesmo diante de situações indiferentes à maioria. Eu já quis sentir menos. Hipersensível e um tanto romântica, sinto que sempre sofro alguns graus a mais. Não saber se esconder e disfarçar intenções é uma falta, mas também é uma virtude humana, considerando que a transparência é algo bom para relações mais saudáveis.
Somos abaláveis, permeáveis, sensíveis, passíveis da dor e da alegria. Não adianta optar por uma vida só de satisfações porque isso não vai rolar. Pelo contrário, se não estivermos prontos para aceitar a existência das dificuldades, as rasteiras da vida serão ainda mais pesadas e sair delas será mais doloroso do que o normal.
Saber envolver-se pela metade, fazer joguinhos emocionais, empurrar relações com a barriga, renunciar os sentimentos mais latentes, frear os anseios do coração, manipular sentimentos com facilidade, ficar sem gostar, negar o amor, beijar sem envolvimento afetivo antes, fazer sexo como quem checa as horas então… Está pronto um dos coquetéis mais pedidos. E do que ele vem acompanhado? Medo, imaturidade e muita, mas muita insegurança.
Ser como é sem subterfúgios é mais do que uma escolha pela autenticidade. É necessário para isso maturidade. Não vale a pena ser um boneco fingidor. Carecemos de autenticidade sempre. Até para sermos inseguros e imaturos precisamos de coragem e de resiliência. Sem veracidade, nem vestir a roupa íntima ou dizer “Bom dia” é fácil. A pergunta que muitos fazem é “ O que pensarão de mim se agir assim?”. Ela deveria mudar para “ O que pensarão de mim se não for verdadeiro desde já?”.
Como conceber entrar numa relação vivendo um personagem oposto de si, cheio de meias verdades? De que adiantam vantagens passageiras baseadas em comportamentos fingidos? De que adianta a aparente altivez da segurança se por dentro estamos corroídos e prestes a desmoronar? De que adianta conquistar tantas pessoas se ao fundo só gostaríamos de viver o mais puro amor?
Vejamos: Sentir e demonstrar de menos certamente é o caminho mais confortável, mas eu recuso. Brincar com os sentimentos alheios e com os meus nunca foram meu forte, seja na balada ou seja no meio da rua. O poeta diz que sabemos delícias e dores em ser como somos. Sim, sabemos. Eis que mensurar palavras e gestos de modo a falar e agir como se nós não fôssemos nós é mais que sustentar uma máscara enganosamente necessária, é insegurança.
É um embuste, é um blefe simular a personalidade a fim de enganar. Um gesto, independente de ser árduo ou fácil, apropriado ou inapropriado, deveria ser sempre e apenas um gesto autêntico, sinal externo a indicar o que somos, pontinhos existenciais que indicarão que nossa vida aqui e em alhures é singular.
Não seria melhor assumir-se tímido e saber que isso não é uma essência? Não seria melhor trabalhar a insegurança na terapia e não preocupar-se em escondê-la, pois não é crime ou imoralidade? Não seria melhor só atrair com a espontaneidade as pessoas que realmente gostem de nós? Não seria melhor envolver-se e eventualmente enganar-se na paquera, sabendo que foi verdadeiro com o outro? Mostrar seu comportamento natural e até os hábitos ruins e ganhar com isso apenas os envolvimentos sem simulacro? Quando as más intenções não partem de nosso íntimo ou a alma não é vendida a precinho de feira no varejo das relações líquidas de hoje, fica mais tolerável a dor de um coração partido, de um ego ferido ou de um romântico fora do século XIX.
Não quero ser fria. Considero isso uma involução dos afetos. Embora já tenha desiludido-me muito e algumas vezes ter desejado não sentir coisas para não sofrer depois, foi tudo da boca para fora e no tempo da revolta. Passados alguns dias, recuei. É muito triste não sentir, optar pela apatia. Quando estamos apáticos não sentimos a infelicidade, contudo também não sentimos a alegria, o prazer, o amor, o encantamento. Vemos uma cena sublime e não sentimos nada. Vemos uma cena triste e não sentimos nada. Vemos um gesto revoltante e não sentimos nada. Aí pergunto: De que vale uma vida abjeta assim?
O medo abissal de demonstrar afeto ou sentir amor não deveria ser um denominador tão corrente como o é hodiernamente. O perfil varia bastante – uma multidão de garotos e de garotas de pouca idade, ciosos de experiências e de maturidade; e pessoas mais velhas, já experientes e talhadas em muitas decepções – a não entender que o desapego também pode ser uma ditadura quando somos inflexíveis, quando não aceitamos que o amor está nos detalhes, quando não nos preocupamos com sentimentos envolvidos nos relacionamentos, quando não acreditamos que alguém pode ter se apaixonado por nós após algumas conversas e alguns amassos, quando fugimos de alguém sempre que o coração acelera mais rápido em sua presença, quando mostramos interesse e depois que o outro “caiu” nós caímos fora, quando achamos fraqueza dizer “Eu te amo” ou “Eu me envolvi com você”, quando achamos estranha a grande alegria de encontrar alguém, quando nos envergonhamos de dizer “Quero sair com você” ou “Estou com saudades e quero te ver”, quando declinamos dessas nossas humanidades, enfim.
Independente das motivações que levam alguém a ser inseguro, não podem existir normas tão draconianas para reger e redirecionar o que cresce no coração. Querer uma vida controlável significa sabotar o inesperado que pode ser belo, as surpresas que fazem a alma saltar, a felicidade que pode ser ricamente compartilhada entre pessoas, os afetos que são construídos com despretensão.
Dialogar não é ceder. Gostar de alguém não é ser derrotado. Declarar amor não é estar de joelhos para o outro, mas com o espírito tão elevado a ponto de voar. Deus me livre não sentir, não esmorecer, não amar. Se sentir menos é o caminho mais seguro para viver mais tranquilo e sem percalços, opto pela insegurança e pelas curvas sinuosas. Opto também pela liberdade e pela verdade. E quando encontrarmos outras pessoas verdadeiras pelo tortuoso caminho, logo as reconheceremos pelo sorriso farto, pelas palavras honestas, por termos as mãos umas das outras, pelos abraços generosos e pelas almas singelas e em sintonia, pois o simples compraz-se no simples.
Imagem de capa:Jacob Lund/shutterstock