Toda a história começou em 1949, quando Simone de Beauvoir publicou “O Segundo Sexo”, onde ela diz que “não se nasce mulher; torna-se mulher”. Em outras palavras, a biologia não define tudo o que significa “ser mulher”; existem, pois, o sexo masculino e o feminino, derivados de uma anatomia e fisiologia específicas; existem também os gêneros masculino e feminino, espécies de produção cultural que se faz em torno de cada sexo. Assim, do ponto de vista da tradição, os homens têm que ser mais agressivos, gostar de esportes mais agressivos e competitivos, não devem chorar… as mulheres devem ser mais delicadas, acolhedoras, tolerantes, dedicadas aos filhos… A cada gênero corresponde um determinado tipo de vestuário, corte de cabelo, determinado tipo de gestos e trejeitos.
As questões vão se complicando, pois muitos hoje contestam a validade desses padrões de “performance” masculina e feminina. Se numa primeira fase, no início do século XX, as feministas estavam preocupadas em conquistar seus direitos sociais, em particular o direito ao voto, numa etapa seguinte passaram a se dedicar à libertação feminina no que diz respeito aos padrões familiares rígidos, à libertação sexual e à igualdade profissional. Na fase atual, a chamada terceira onda feminista, o questionamento diz respeito ao gênero: existe uma base biológica para a elaboração do modo de ser feminino (e também o masculino) ou é tudo uma questão cultural? Como explicar os tipos “intermediários”, ou seja, os travestis, os transgêneros, as mulheres que decidem seguir o padrão típico dos mais “machos”?
As opiniões são variadas mesmo dentro do movimento feminista. Algumas são defensoras de que existem alguns aspectos de natureza biológica e que estariam mais que tudo relacionados com a questão da reprodução e cuidado dos recém-nascidos, propriedade feminina inata. Outras, dentre as quais se destaca Judith Butler, filósofa norte-americana, acreditam que não existem diferenças relevantes do ponto de vista da biologia entre homens e mulheres e que somos como somos e agimos como agimos porque fomos ensinados a isso, porque imitamos padrões que nos antecedem e que nos levam a agir de acordo com a “performance” própria de cada um dos gêneros. Ou seja, desconsideram a importância das diferenças biológicas, consideram que somos seres sexuais – no sentido genérico e indiferenciado – e que coube à cultura nos enquadrar dentro de moldes fixos e passíveis de serem criticados e modificados.
Segundo o modo de pensar de Butler, existe uma gama enorme e inexplorada de possibilidades de conduta e de modo de se apresentar que não sejam as fórmulas tradicionais do masculino e feminino; caberia a cada pessoa desenvolver sua própria “performance” de modo livre e independente do sexo biológico. É nesse ponto que não posso deixar de discordar. Penso sempre em nós como seres biopsicossociais. Fico perplexo com a insistência dos estudiosos em privilegiar um desses aspectos da nossa forma de ser em detrimento dos outros. Não sei a que se deve essa dificuldade de operar com as três variáveis simultaneamente, mas o fato é que sempre surgem defensores radicais de uma ou outra dessas vertentes que definem nossa condição.
Nascemos sim com determinados aspectos biológicos que diferenciam o masculino do feminino. As diferenças fundamentais não são, a meu ver, as de natureza anatômica – e nesse aspecto concordo com Butler – mas sim as relacionadas com a fisiologia. Os homens são portadores de um desejo visual muito mais relevante do que o existente nas mulheres. As mulheres se excitam ao se sentirem desejadas pelos homens e essa diferença fisiológica pode influenciar muito a elaboração da “performance” de cada gênero. Após a ejaculação, os homens experimentam um período refratário, de desinteresse sexual, fato que não existe na fisiologia feminina. E isso também pode interferir no modo de se formar os gêneros próprios a cada sexo.
Crescemos em determinado ambiente familiar e sofremos o impacto das pessoas com as quais convivemos intimamente. Delas imitamos vários jeitos e trejeitos, de modo que o que somos como adultos dependerá também das características do contexto psicológico em que nos desenvolvemos, das identificações positivas e negativas que formamos ao observarmos nossos pais, tios, primos, avós etc. É claro que nosso ambiente familiar, se não for muito diferente do que é o mais comum na cultura em que vivemos, reproduz em grande parte os padrões do meio como um todo. Não subestimo a importância dessa influência sobre nossa forma de ser. Hoje mesmo, vivemos um momento em que os gêneros se aproximam em muitos aspectos, definindo um modo de vida essencialmente unissex. Porém, não creio que exista uma liberdade infinita de expressão da nossa sexualidade. Os limites da biologia não podem ser menosprezados.
Para mais informações sobre Flávio Gikovate
Site: www.flaviogikovate.com.br
Facebook: www.facebook.com/FGikovate
Twitter: www.twitter.com/flavio_gikovate
Livros: www.gikovatelojavirtual.com.br
Esse blog possui a autorização de Flávio Gikovate para reprodução deste material.
Mais livros de Flávio Gikovate