O título desse texto remete à obra de William Shakespeare, Otelo, que conta a história do amor de trágico desfecho de Otelo e Desdêmona, de origens sociais distintas, que se encontraram por artes de um grande escritor, assim como muitos casais tão diferentes se enamoram pelas artimanhas do acaso e de Cupido, ou Eros, o deus do amor. Mas voltando ao romance, que se baseia numa trapaça engendrada por um terceiro personagem, Iago, falso amigo invejoso, temos todas as fraquezas humanas entrelaçadas por um escritor que delas parecia entender bastante. Na trama, há insegurança, inveja, paixão, vingança, e, como gatilho do ato final de loucura, o ciúme. Instigado por Iago, que, movido por vingança, tem como único objetivo destruir quem ele considera usurpador de seus direitos, Otelo mata a mulher, sem que lhe seja apresentada qualquer prova da traição dela com Cássio. Ao descobrir o engano e tomar consciência do grave erro que cometeu, suicida-se. Histórias como a de Otelo repetem-se, infelizmente, até hoje. Quantas Desdêmonas não foram agredidas e até perderam a vida nas mãos de companheiros que suspeitaram de uma traição?
O que se denomina de ciúme patológico é alvo de estudos e, em 1955, os neuropsiquiatras John Todd e Kenneth Dewhurst sugeriram o termo Síndrome de Otelo, para caracterizar pensamentos e emoções racionais que podem deflagrar comportamentos violentos, causados por preocupação exagerada por supostas infidelidades do parceiro. Mas o ciúme é emoção sempre negativa ou existem características que podem sinalizar que há motivos para temor de que ele se transforme em problema? Quando ele surge como reação normal a uma situação específica, quando há evidências de perigo ao relacionamento pela presença de uma terceira pessoa, há diálogo e superação do problema, sem desdobramentos ou prolongamento do acontecido, com os envolvidos seguindo em frente, trata-se de evento aceitável.
Mas no caso de repetidas crises de ciúme, acompanhadas de reações desmedidas sem motivo que as justifique e um comportamento controlador em relação ao companheiro, checando constantemente horários e desconfiando de todo e qualquer atraso, o que gera brigas e verdadeiros interrogatórios, exigindo saber com quem ele se relaciona e por quê, monitorando as redes sociais e mensagens, o celular e o e-mail, e até as roupas que a pessoa usa são objeto de crítica. As ações do ciumento visam evitar a perda de seu objeto de afeto. O que começa com pequenas desconfianças acaba evoluindo para uma relação tensa, cercada de suspeitas infundadas, com momentos de paz que confundem ainda mais o alvo do ciúme patológico, que tenta racionalizar os rompantes como prova de cuidado e amor. Assim, adia-se o enfrentamento do problema, e a relação passa a oscilar entre momentos prazerosos e conflituosos.
E o que explica as pessoas que desenvolvem ciúme patológico? Como terapeuta cognitivo-comportamental, comprovo que às características de personalidade somam-se os estímulos ambientais. As histórias de família podem revelar relacionamentos tensos, falta de amor ou mesmo rejeição e afeto inseguro ou condicionado às vontades de quem detém o poder (adultos responsáveis pelo bem-estar da criança), ou um ambiente permissivo, onde todos os desejos são satisfeitos, sem limites ou noção de direitos e deveres para consigo e com os outros. Um indivíduo com baixa autoestima e pouca tolerância à frustração, ansioso e tendente à paranoia, corre um risco maior de desenvolver ciúme patológico. E, no final, o demônio de olhos verdes o habita, tornando-se o verdadeiro dono do coração daquele que se crê dominador.
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