Por Marcella Starling
Em março de 1964, a primeira página do new york times estampava : “durante mais de meia hora, 38 cidadãos respeitáveis, cumpridores da lei, no queens, viram um assassino perseguir e esfaquear uma mulher, em três investidas separadas e sucessivas, no Kew Gardens, ninguém chamou a polícia durante o assalto; uma testemunha telefonou depois que a mulher estava morta.“. O episódio do assassinato de Kitty Genovese, ficou mundialmente famoso e acabou gerando mais estudos sobre a apatia humana do que o próprio holocausto.
Estudiosos de todas as áreas das ciências sociais se debruçaram sobre o caso em questão, e assim nasceu o que foi chamado de ‘Efeito Espectador’, segundo o qual a presença de vários voyeur’s durante espetáculos questionáveis pode efetivamente inibir intervenções. É o famoso ‘deixa que o outro faz’. Acho que o brasileiro hoje em dia sofre disso.
Perdemos a capacidade de nos admirarmos frente à corrupção. Perdermos a capacidade de nos admirarmos frente à impunidade. O ‘jeitinho brasileiro’ tornou-se regra ao invés de exceção. E todas as pequenas e profícuas condutas dominadas pela antiética diária começaram a se tornar normais. E aí meu caro cidadão, o resultado da equação não poderia ser outro, senão o nosso cenário político atual.
Uma das grades maravilhas de ser criança, e um dos motivos pelos quais as suas mentes são tão perceptivas é a capacidade de se admirar. Isso ocorre porque elas vivem em um mundo no qual tudo é novidade, possuem a mente livre de pré-conceitos e ideologias e reconhecem que estão ali para absorver e criticar o que o mundo está lhe oferecendo.
É devido a esta capacidade de se admirar que elas conseguem aprender o certo e o errado. Mas além disso, conseguem distingui-los com precisão e sagacidade, muitas vezes colocando os seus pais frente a posições embaraçosas por não entenderem que podem existir mentiras boas, por exemplo.
Porque comecei o texto falando de um assassinato e agora estou falando sobre a benção de ser criança? Porque acredito que os dois exemplos traçam os limites antagônicos entre a apatia e o afã. Porque hoje milhares de brasileiros viraram crianças novamente. Pararam de olhar pela janela imobilizados enquanto o governo se apoderava despropositadamente e desmedidamente dos recursos públicos. Pararam de esperar dos outros telespectadores ação e decidiram agir por conta própria.
Que a apatia não faça mais parte das nossas vidas. Não só para ir a rua e protestar. também para não perdermos a capacidade de nos impressionarmos com aquilo que nos causa aversão. mas acima de tudo para termos a esperança renovada e a coragem de agir pelo que acreditamos.
Eu acredito em um Brasil melhor.
Nota da página: O texto acima foi escrito no último 15 de março, quando o povo se uniu apartidáriamente e por autoconvocação para demonstrar a insatisfação com a atual conjuntura econômica e política.
Texto reproduzido com a autorização da autora.
É mineira e paulista de coração. É advogada e estudante de economia. Está tentando ser aquela pedra jogada ao rio, que gera pequenas ondas ao redor.
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