Do bom dia, boa tarde, boa noite, que não sabe mais o que é bom, e tão perdido, não sabe se é dia ou tarde, e conferindo o relógio, não se importa com o desejar, mas apenas com acertar as horas. Do obrigado sem gratidão, das desculpas sem arrependimento, de tudo que se faz sem intenção, só por educação, me despeço.
É tanto “Tudo bem?” que não se importa, “Sim” na ponta da língua, o cumprimento tão rasteiro que se desdobra no esquecimento “Já te vi hoje?”, um olhar sem ver, um ouvir sem escutar. O outro às vezes acaba por se tonar um objeto opaco na estante do pensamento, quando a banalidade já não enxerga para além da própria imagem – porque antes Narciso achava feio o que não era espelho, agora ele nem enxerga além do próprio reflexo.
Vão-se os pêsames com “tapinhas de ombro” vindos daqueles que não se dão ao trabalho em compreender que ninguém chora pela leveza da morte, mas pelo peso da perda na vida. Vão-se os elogios e as críticas, como o choque e a ração para os ratos behavioristas. Pobre de Skinner, tão desconhecido quanto ao Walden II, teve a sua utopia comportamental de um mundo mais civilizado travestida na cultura de um mundo mais esterilizado.
E na mesma lógica, quantos mantém com gestos falsos e atos míticos o afeto alheio que não lhe convém? Por pura vaidade ou incapacidade de dispensar essa dádiva que é ser amado, vão empurrando uma situação até ao ponto em que o figurino se desfaz por podridão. Desses, diria Cazuza: “Não adianta desperdiçar sofrimento por quem não merece, é como escrever poemas no papel higiênico e limpar o cu com os sentimentos mais nobres”.
Mas, então, por quem vale a pena? Por que vale a pena? Encontraria milhares de escritos orientando sobre os “porquês”, e mais uma centena de exemplares nas prateleiras da livraria desvendando esses mistérios, que na vida, na prática, quase sempre não passam de mais palavras vazias. Tão poucos valem sequer pela fruição estética da escrita. Seria um barbarismo irremediável não compreender nem conseguir colocar em ação tamanha sabedoria num século marcado pela discórdia civilizada e tecnológica? Um barbarismo demasiado humano.
Conceitos mudam para tornarem-se politicamente corretos e as pessoas continuam a encontrar novas formas de marginalizar o que não lhe convém, mesmo que não lhe afete. Nunca será possível legislar sobre todos os gestos e pensamentos, sobre todas as palavras e ações. E enquanto o Público, como um pai zeloso, tenta tomar conta do Privado, vamos nos enchendo de palavras vazias – das leis ao bom dia, quem cumpre a promessa do enunciado?
A descrença é uma tendência em lidar com essa consciência cruciante de que do tanto dito há pouca ação, de que a intensão é quase sempre ausente, de que os universos se fecham em si mesmos e proferem monólogos como se fossem diálogos. Mas, para não ceder a ilusão de uma perspectiva apocalíptica em lugar de um delírio otimista, tomada por um barbarismo demasiadamente humano que se dá ao luxo de por vezes simplesmente negar o kitsch do civilizado como mera educação, continuo garimpando, ainda que impaciente, essa essência por trás dos fazeres banais.
Talvez, num ato de corte ou de laço, capaz de deflagrar o falso e embola-lo em si mesmo, um brilho que não seja estéril, como uma moeda de ouro colada ao chão, se faça visível e palpável, demovível de sua invalidez pela negligente estagnação da sua função no mundo – ser moeda, móvel, uma função para além das aparências, cujo valor só se faz na troca. Talvez num toque ou num ato espontâneo, seja possível fazer-se perceber menos como objeto na estante e mais presente no instante.
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