Sobre a (misteriosa e fascinante) arte de seguir em frente

Imagem de capa: Vitalii Nesterchuk/shutterstock

Que atire a primeira pedra quem nunca desanimou. A vida é feita de altos e baixos. É necessário perceber que é assim com todo mundo. Comigo, com você e até com o vizinho que aparenta ter a vida perfeita. Apesar disso, acho urgente apreciar cada momento, pois todo instante traz importantes lições.

Eu vivia um período complicado. Tinha terminado um relacionamento longo e estava prestes a voltar para Campinas, minha terra natal. Tentava (desesperadamente) acreditar que, quando uma porta se fecha, outro ciclo surge, instantaneamente e feliz. Na prática, não é bem assim. Qualquer término é, no mínimo, doloroso e precisamos passar pelo período de luto.

Entre uma lembrança e outra, me peguei observando os milhares de frequentadores que existiam no metrô. Cercada por estações, trilhos e trens, percebi os muitos encontros, de beleza e de vida, próximos a mim.

Não lembro ao certo qual estação estava. Lembro apenas que era a linha azul e que, no meu vagão, um casal discutia sobre a curtida que ele deu nas fotos do Facebook de uma amiga. Não sei se a pivô da discórdia tinha postado fotos de biquíni. Só sei que gerou ciúmes. Confesso que ri mentalmente do conflito. No fundo achei que o moço estava feliz com a demonstração de afeto dela. (Ciúmes, em alguns poucos casos, pode sim, servir como uma simples prova de amor).

Mas naquele vagão, ninguém me chamou tanta atenção quanto aquele homem de gravata frouxa, solitário, quatro assentos a frente do meu. Tinha os olhos baixos, verdes e avermelhados, que levantavam as vezes para olhar a janela. Talvez tivesse chorado um pouco, aquele choro silencioso de homens fortes que aceitam a derrota como uma intrusa inoportuna. Era bonito.

Apostei (comigo mesma) que estava triste. Me instigou (sincera) curiosidade e fiquei divagando sobre sua personalidade. Imaginei que poderia ter a alteridade que se vê em três ou quatro pessoas durante toda a vida. Enquanto isso, seguimos para a Sé.

Sentei mais perto (discretamente) apenas para observá-lo. Passou a mão entre os cabelos pretos, lisos e divididos ao meio. A barba estava por fazer. Vi seus ombros (largos) abaixarem como se fossem abraçar o chão. Permaneceu assim até abrir a porta da próxima estação. Supus que desceria no Paraíso. Não desceu. Parecia um anjo caído.

O telefone dele tocou. Pegou (lentamente) o celular. Estranhei ter sinal dentro do vagão. Ouvi sua voz firme e decidida dizer: ‘Terminamos. Já está decidido. Vamos seguir em frente’. Desligou ou perdeu o sinal. Deitou a cabeça entre as mãos e voltou a olhar o chão. Suspirou. Deduzi que deveria ter posto fim em algum relacionamento. Estávamos quites.

Naquele instante, fruto de alguma guinadas do destino, me olhou. Devo ter ficado (irritantemente) vermelha, pois recordo de ter sentido minhas bochechas queimarem. Sempre fui tímida.

Levantei os olhos e nossos olhares se cruzaram. Uma sensação boa de consolo me tocou a alma. Estava viva e, apesar de toda a mudança de rota que estava passando, isso já era motivo para (profunda) gratidão.

Ele deu um leve sorriso. Sorri também. Um sorriso gratuito, de amizade e compreensão. Ficamos assim por alguns segundos. Em seguida, desci na Sé. Acho que, apesar de estranhos, nos entendemos e compartilhamos a mesma dor.

A vida é assim! De forma misteriosa e fascinante nos deparamos com pequenas surpresas pelo caminho.

É preciso seguir em frente, sempre com gratidão.

Michelle Jardim

Jornalista, locutora e atriz. Ouvinte profissional e amante de boa música, boas risadas e boa companhia. Tem como objetivo de vida a felicidade, acredita nas pessoas e na certeza de um fim certo: a morte. A única promessa para o futuro é o envolvimento em experiências que valem a pena. É atriz e locutora exclusivamente por amor. Jornalista por missão.

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