Denise Araújo

Sobre mulheres importantes que foram invisibilizadas

A origem do dia da mulher foi operária. Foi resultado de uma crescente série de reivindicações de milhares de mulheres europeias e americanas que marchavam por melhores condições de trabalho, em um contexto de lutas socialistas que pugnavam por tratamento digno às trabalhadoras na época da revolução industrial, uma vez que as jornadas delas poderiam chegar a 16 horas por dia, seis dias por semana e, não raro, incluíam os domingos, em condições piores que as dos homens. Elas pariam dentro das fábricas para respeitar os horários rígidos e por isso também lutavam por licença-maternidade. Ser mulher significa, portanto, lutar desde sempre.

No dia 08 de março de 1857, morreram aproximadamente 125 mulheres carbonizadas, quando foram trancadas em uma fábrica de tecelagem, em Nova York, onde trabalhavam, por estarem fazendo greve. Em homenagem a estas mulheres, durante a Conferência Internacional de Mulheres Socialistas na Dinamarca, em 1910, foi criado o “Dia Internacional das Mulheres”, como uma forma de exaltar a importância feminina na sociedade e a luta pela igualdade de gêneros. Embora a luta por direitos básicos seja antiga, eles ainda estão ameaçados. No Brasil, por exemplo, ainda luta-se por salários iguais entre homens e mulheres que ocupam as mesmas posições, e pautas importantes são discutidas – como o feminicídio (cuja lei brasileira foi sancionada em 2015) e a descriminalização do aborto.

Algo que sempre nos foi legado como nosso lugar maior, onde vivemos na excelência, é o lar, no seio da família. Somos cândidas, atenciosas, responsáveis, cuidadosas e amorosas. Sim, somos mesmo, somos mais e até não somos a depender do momento. Entretanto, há cantinhos outros que estamos e brilhamos em destaque também, se assim quisermos, então um olhar sobre mulheres no mundo da ciência e do trabalho é necessário.

Nesse caso, olhemos um pouco para mulheres importantes na história e que sequer conhecemos, não por displicência, mas porque elas não foram devidamente elencadas por quem escreveu todas as histórias da vida, geralmente autores, críticos e historiadores homens. É importante ler mulheres, pois. Você lê livros de mulheres? Assiste entrevistas de mulheres? De mulheres entrevistadas por mulheres? Faz cursos com mulheres? Confia em mulheres? Admira-as? É amiga? Evita julgamentos? E por fim, é solidária com mulheres? Agora eu poderia continuar perguntando as mesmas coisas assim… E com mulheres negras? E com mulheres pobres, da periferia ou interioranas? Você as contempla? É preciso diminuir as distâncias. Viver é como enxergar, e olhar de longe é bem difícil. Trazer para perto ajuda a perceber, a descobrir, e só respeitamos aquilo que sabemos.

Que tal começar por massagear o ego de nós, mulheres nascidas nas terras envoltas de águas desse Rio Grande do Norte? Nísia Floresta Brasileira Augusta é considerada a precursora do movimento feminista do Brasil, educadora e escritora potiguar, pioneira na publicação de textos em jornais do século 19, quando a imprensa nacional ainda engatinhava. Traduziu e refletiu a obra de Mary Wollstonecraft sobre o direito das mulheres. Defendia ideais abolicionistas, republicanos e feministas, todos inovadores para a época. Escreveu muitos livros sobre educação e feminismo na Europa, onde estudou o positivismo de Augusto Comte. Morou em Portugal, Berlim, Londres, Suíça, Espanha e morreu na França, em 1885; Em 1928, com 60% dos votos, foi eleita Alzira Soriano, de 32 anos e natural de Lajes (RN), a primeira mulher da América Latina a assumir a prefeitura de uma cidade, segundo notícia publicada na época pelo jornal norte-americano The New York Times. Isso foi possível porque o governador Juvenal Lamartine conseguiu alterar a lei eleitoral para dar direito de voto às mulheres, algo até então inexistente ( no entanto, os mesmos acabaram anulados). E o que dizer de Celina Guimarães Viana, natalense e a primeira mulher a ter direito a votar no Brasil, em 1928?

Mais algumas mulheres que se destacaram na luta pelos direitos femininos ou por conquistas pessoais que foram pioneiras para as mulheres nos contextos em que viveram:

Maria Quitéria de Jesus: Em 1822 entrou para o exército nacional, vestida como homem, lutando na Guerra da Independência. Foi a primeira mulher a integrar uma unidade militar no país.

Chiquinha Gonzaga: Em 1885 estreia como a primeira maestrina brasileira

Rita Lobato Velho: Em 1887 forma-se como a primeira médica brasileira

Marie Curie: Acumula dois prêmios Nobel por suas descobertas na química e física, tornando-se uma das cientistas mais importantes do mundo

Virginia Woolf: Uma das maiores escritoras modernistas do mundo e revolucionou o século 20 ao escrever sobre a mulher na sociedade e abordar a questão homoafetiva em seus livros.

Bertha Lutz: Articuladora do direito voto, ela trabalhou na mudança da legislação trabalhista que feria os direitos das mulheres e crianças

Simone de Beauvoir: A filósofa, escritora e intelectual francesa lança seu livro “O Segundo Sexo” , publicado em 1949. Nele, ela analisa a condição feminina sob uma ótica antes não analisada. É citado em debates sobre o feminismo, mapeando as formas de opressão masculina, porém é classificado como um livro filosófico pois impele à reflexão. Foi uma importante pensadora do movimento feminista que, durante a década de 60, promoveu a desconstrução do papel convencional da mulher na sociedade.

Joana D’Arc: Pobre e analfabeta, tinha 17 anos quando convenceu o grupo de soldados franceses a segui-la na guerra contra os ingleses no século 14. Foi queimada viva sob a acusação de bruxaria.

Isabel Perón: Torna-se a primeira mulher presidente de uma nação, a Argentina, em 1974.

Valentina Vladimirovna Tereshkova: Primeira astronauta mulher a ter ido ao espaço, em 16/06/1963, tendo realizado o voo sozinha.

Ada Lovelace: Primeira programadora do mundo, passou a vida realizando pesquisas relacionadas a números, cujo trabalho inspirou a criação dos computadores pessoais

Laudelina de Campos Melo: Fundadora do primeiro sindicato de trabalhadoras domésticas do Brasil, sua atuação é tida como fundamental para o reconhecimento dos direitos da categoria. É bom lembrar que defender direitos de domésticas significa na prática defender direitos de mulheres pobres e negras.

Maria da Penha Maia Fernandes: Farmacêutica cearense que lutou pela condenação de seu ex-marido pelas sucessivas agressões e duas tentativas de homicídio. Ficou paraplégica por um tiro de espingarda e dá nome à Lei brasileira que pune agressores em crimes contra mulheres

Roseana Sarney: Em 1994 é eleita como a primeira governadora de um estado brasileiro, o Maranhão, sendo reeleita quatro anos depois

Angela Merkel: Em 2005 é eleita a nova chanceler alemã, a primeira mulher a ocupar o cargo na história

Benedita da Silva: Em 1998 torna-se a primeira mulher a presidir uma sessão do Congresso Nacional. Sendo uma mulher negra e criada na favela do Chapéu – Mangueira, no Leme carioca, são muitas as vitórias simbólicas desta mulher, que atualmente é deputada federal.

Dilma Roussef: Em 2010 é eleita como a primeira presidente mulher do Brasil

Indira Gandhi: A única mulher a ocupar o maior cargo político e público indiano, aos 55 anos. Revolucionou a política e a economia da Índia. Presenciou várias revoluções em seu país, tendo sido presa aos 22 anos por atuar em guerras. Morreu assassinada por um grupo religioso contrário ao seu.

Coco Chanel: Estilista que revolucionou a moda com peças que libertaram as mulheres, como a calça e chapéus elegantes

Rose Marie Muraro: Dedicou a vida à luta pela igualdade de direitos para mulheres, sendo reconhecida como a Patrona do Feminismo Brasileiro pelo governo federal.

Thereza May, Angela Merkel, Mercedes Aráoz, Michelle Bachelet, Indira Gandhi, Laura Chinchilla, Isabel Peron, Dilma Roussef … O que todos esses nomes têm em comum? Todas são ou já foram líderes de seus respectivos países, em meio ao mundo político, até então dominado por homens. Salvas as diferenças políticas e ideológicas, a presença de mulheres na liderança de partidos e nações é uma das árduas conquistas femininas ao longo da História. Por isso, o destaque destes nomes é tão relevante. Quando uma mulher alça altos cargos políticos e públicos ela abre caminhos e incentiva outras a fazerem o mesmo.

No campo da ciência e da pesquisa as mulheres foram responsáveis por pesquisas que hoje beneficiam o mundo e todas as populações no decorrer do tempo. Embora sejam metade da população mundial e desempenhem papéis fundamentais nas comunidades científicas e tecnológicas, as mulheres e meninas ainda seguem excluídas de participar plenamente na economia, são “invisibilizadas” na autoria de avanços científicos, questionadas por seu gênero, cor e posição social. Há menos acesso e incentivo à participação na ciência do que os homens. Apesar disso, a contribuição das mulheres nesse setor é impressionante e fundamental: Rosalind Franklin descobriu o DNA; Marie Curie ganhou dois prêmios Nobel e descobriu a radiação em suas pesquisas; Margaret Hamilton programou e liderou a missão Apollo 11, que levou o homem à lua; Marie Tharp mapeou o fundo do oceano; Jocelyn Burnell descobriu os pulsares; Ester Sabino e Jaqueline Goes, pesquisadoras e professoras da USP, sequenciaram o Corona Vírus em 48 horas; Ada Lovelace escreveu o primeiro algoritmo da história; Lise Meitner descobriu a fissura nuclear; Vera Rubin, americana que provou a existência da matéria escura; Cecília Payne descobriu a composição do sol, quando ainda se acreditava que a estrela tinha a mesma composição da terra; Grace Hopper criou o primeiro compilador. Além disso, há registros bibliográficos das esposas de importantes cientistas que ajudaram em seus trabalhos, como a esposa do químico Lavoisier, que fazia as experiências de laboratório; bem como as contribuições da esposa do físico Albert Einstein para a formulação da teoria da relatividade.

Há também histórias de mulheres que tiveram projetos roubados por homens. Alguns exemplos foram Margaret Knight, que inventou a máquina do saco de papel em 1868; Alice Guy, que foi a primeira diretora de cinema da história; Lise Meitner, que descobriu a fissão nuclear nos anos 30; Rosalind Franklin descobriu a forma helicoidal do DNA; Willie Mae Thornton, cantora e compositora conhecida como Big Mama Thortnon, foi a compositora da canção “Hound Dog”, interpretada por Elvis Presley e que vendeu mais de dois milhões de cópias; Margaret Keane foi a verdadeira autora das famosas pinturas dos grandes olhos, cuja autoria foi roubada por seu marido, que ganhou fortuna enquanto a trancava durante todo o dia para que ela pintasse; Jocelyn Bell Burnell foi a primeira pessoa a observar as pulsões de rádio; Anna Arnold Hedgeman foi a única mulher presente no comitê organizador da histórica Marcha de Washington, 1963, quando o pastor protestante Martin Luther King fez o famoso discurso “ I have a dream” ( “ Eu tenho um sonho” ), em defesa dos direitos civis dos negros nos EUA. Ana não apareceu pois estava escondida atrás dos homens à sua volta. Ela não só mobilizou muitos grupos de pessoas para participar da marcha, como também organizou o transporte e assegurou que os participantes tivessem comida e água.

Se realizarmos uma rápida pesquisa agora, veremos os assuntos acima com o registro de homens como criadores ou organizadores. O roubo da propriedade intelectual e da pesquisa também marca a história de grandes mulheres, apagando-as literalmente dos registros históricos. Você já parou pra pensar por que conhece nomes como Napoleão Bonaparte, Dom Pedro, Ruy Barbosa, Oswaldo Cruz, Albert Einstein, Mike Tyson, Buda, Mao Tsé Tung ou mesmo Hitler e desconhece a história de mulheres tão eminentes como as citadas até aqui? Relacionar a história com quem viveu-a e dar o protagonismo a quem o teve são questões de justiça.

Talvez o mais admirável não seja galgar tanto na História e evoluir em meio a opressões injustas e intoleráveis, mas sobreviver. Não é apenas no mundo do trabalho que mulheres sofrem jugos desiguais, mas em suas vidas pessoais e particulares também. Não é bom esperar do ser humano aquilo que é inumano, entretanto é isso o que espera-se de nós. Na mulher enxerga-se um combo poderoso de mitos, a fantasia da mulher frágil ao mesmo tempo em que é a mitológica semideusa, a heroína clássica, centro de reabilitação, maternal, bonita, disposta, trabalhadora incansável e um rio caudaloso de candura e paciência. É simplesmente impossível isso. Humanizar as mulheres é urgente, talvez assim a sociedade passe a não conviver com os piores casos, aqueles em que somos mortas por sermos mulheres.

É bom desconfiar de quem tem a atitude de ofender ou diminuir alguém falando coisas do tipo: “Isso é coisa de mulherzinha”, “ Parece uma garota” ou “ Eu fraquejei”. Pra quem chama mulher, menina ou garota com o intuito de xingar, o reverso é verdadeiro. Ser menina não é ser menos. Lutar como uma garota é com armas ou sem elas batalhar por justa causa e agir arduamente. Ser mulher, por fim, é um belo de um elogio!

Photo by Diana Simumpande on Unsplash

Denise Araujo

Sou Denise Araujo e não tenho o hábito de me descrever. Não sei se sei fazer isso, mas posso tentar: mais um ser no mundo, encantada pelas artes, apaixonada pelos animais, sonhadora diuturna, romântica incorrigível, um tanto sensível, um tanto afetuosa, um tanto criança ...

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