Sempre fui lenta. Desde criança sou retardatária em relação aos demais. Excetuando-se o desenvolvimento físico e o intelectual, pois nunca faltaram saúde e disposição para estudar, estava comumente um degrau atrás de todos. Tímida e filha de uma mãe zelosa, a introversão e a superproteção maternal fizeram minha lentidão ainda maior. Nos dias de hoje a morosidade é disfarçada com uma enganosa tranquilidade, mas quem conhece-me bem acaba sacando esse traço.
Dizem que novos tempos formam novas pessoas, mas será que é sempre assim? Conseguimos acompanhar com precisão essa linha imaginária chamada tempo? Em 1905, o físico Albert Einstein descobriu que o hoje manjado tempo não corre da mesma maneira em todos os lugares, pois os ponteiros de um relógio parado correm mais devagar em relação a um relógio em movimento. Dispomos hoje das mesmas 24 horas diárias que há um século atrás, mas o tempo agora é outro. Ele parece voar. Tudo é mais imediato e rápido. O imediatismo tomou conta dos nossos dias, e precisamos ter muito cuidado. Não é a toa que a pressa é inimiga do bom senso e de qualquer tentativa de acerto.
Há atualmente uma enxurrada de informações que recebemos desde a hora em que acordamos até a hora em que nos deitamos. Nem todos lidam bem com isso. É contra a saúde mental humana esse descarrego de ideias, uma verdadeira invasão. É necessário autocontrole para optar por uma vida menos “invadida” e diminuir o ritmo dessas leituras. Precisamos também de personalidade para destoar e diferir de um padrão humano cada vez mais arquetípico. Renunciar a essa rapidez é renunciar o maior símbolo hodierno. O homem moderno é tecnológico e veloz. Tem auspícios de invencibilidade e espetacularização da própria vida, cada vez mais projetada para fora, para atender expectativas alheias. Quem não exibe a vida na rede social é alvo de indagações curiosas. Sou ansioso e tenho rede social, logo existo – eis a grande máxima.
Sei que o lugar é comum e chato, mas é necessário conhecer-se e saber o próprio ritmo. Respeitar as características pessoais é resolução preciosa para a vida. Cuidar do próprio ritmo e avaliar as emoções em decorrência disso é preservar a própria saúde. A consciência de que não há um tempo soberano e único para todos nós é essencial. Essa crença de que há um momento certo para tudo é mera ilusão, ou no máximo uma sugestão.
Não podemos ficar reféns de toda convenção simbólica inventada. A mensagem é clara e comprometer-se com a realização pessoal é um valor admirável desde que se obedeça a padrões, a vontades comuns. Ser diferente é injúria. Ser livre, presunção.
Ninguém precisa entrar na faculdade aos dezoito anos, estar na profissão dos sonhos aos vinte e cinco ou ter casado e tido filho aos trinta. Ter uma casa e um carro é algo que o marketing e a propaganda trabalharam direitinho para colocar como necessidade nas mentes humanas, mas isso não é um valor absoluto e não é essencial para a felicidade. Estão nos enganando.
Cada um tem seu próprio ritmo e entender isso é libertador. Colocar para correr certas imposições da sociedade não é ser individualista, é fugir da imposição cega de quem quer guiar nossos modelos de vida e dar pitaco nos nossos afazeres, mas não aceitaria viver nossos dilemas e nossas dores, se fosse dada a oportunidade. Delimitar o outro é fácil, difícil é sê-lo integralmente.
Hoje há pressa para comer, para telefonar, para conversar, para conhecer alguém, para estudar, para trabalhar, para crescer na carreira, para viajar para muitos lugares, para se apaixonar, para terminar o namoro, para transar com muitas pessoas, para ter filhos, para dar opinião, para discordar dos outros, para enriquecer, para postar na rede social, para externar que está aproveitando a vida, para curar-se, para mostrar que superou, para esquecer, para lembrar, para acabar o dia, a semana, o ano…
O problema da pressa e da ansiedade é que elas tiram o prazer do tempo presente, da vida enquanto ela é vivida – e não sonhada, dos momentos bons, de gestos singulares, de oportunidades. Enquanto levamos a vida vivendo o momento seguinte, vamos literalmente pulando etapas, e só nos tornamos gente de verdade vivendo nosso próprio tempo, seguindo nossos mais profundos anseios. Entrar em contato com aquilo que mais nos faz sorrir é um bom começo.
É sempre bom refletir se existem lógicas daninhas por trás de fatos e de ideias, se estão lucrando financeiramente com algum padronismo de comportamento e de consumo, com a própria falta de reflexão geral, com a ausência de justa indignação ou de olhar o mundo mais humanamente. Quem lucra se entrarmos no piloto automático? Se seguirmos feito boiada? Se não questionarmos os processos históricos que levaram-nos a esse modo de vida? Ou que levaram países a terem profundas desigualdades sociais e outros não, por exemplo? Se aplaudirmos as guerras ou as “intervenções militares” como remédio para a humanidade? Se não tivermos empatia com o próximo? Se votarmos em candidatos cujo comportamento imperativo é o da violência? Se simpatizarmos com o individualismo e com isso fortalecer o egoísmo nas pessoas, a ideia de “cada um por si” ? Se naturalizarmos a miséria – uma das maiores indigências humanas? Se não acreditarmos mais no humano e em seus bons propósitos? Se perdermos de vez a esperança? Se não respirarmos profundo e sentirmos que em nós pulsa um ser? Se não atentarmos aos anseios desse ser? Se nos acabarmos em negativismo e insatisfação?
Fui minha carrasca durante muito tempo. Tentei mudar, descaracterizar-me, afinal ser ligeiro e assertivo é tão descolado, né? É, mas essa não sou eu. Admiro os dinâmicos, mas não faço parte desse grupo. Compreendi isso. Ao mínimo passo de tentar abraçar o mundo com as mãos, não durmo à noite. Sabe aquele cágado do desenho animado que está condenado a perder todas as corridas para os outros animais da floresta? Pronto: eu. Apesar disso, sou capaz de viver, e bem. Desencaixada, mas bem.
Escolhi abraçar minha lentidão e carregá-la com carinho. Sofro ao lado de workaholics e pessoas demasiado realizadoras, apesar de ter realizado importantes conquistas na vida e gostar de trabalhar em prol dos meus idealismos. Não costumo casar bem com tratores em forma de gente e fujo de rotinas angustiantes. A pressa nos rouba do momento presente, e nada é tão “vida” quanto o presente.
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