Sobre Peso

Não pese sua mão sobre meus dedos, não pese, por favor, seus pés sonolentos sobre os meus. Não pese sua coxa tesa sobre as minhas. Encoste em mim, mas não se deite. Dai-me ar, dai-me combustível para querer-te mais. Só não pese seus olhos sobre meu olhar, não sufoque meu beijo com sua fome. Beijo não se pede, minha querida, beijo se perde.

Eu sei que é difícil encontrar a medida, entre bem querer e querer tudo ou nada. Eu sei que é frágil a ladeira que incita para se chocar no outro como um carrinho infantil e sem freio. Há avisos por toda parte, sinalização por toda a via, mas você os evita, você ignora o que não lhe interessa. Mas no fundo, todos os avisos, todos os sinais, também sou eu.

Não vou carregar, não vou mais levar suas mágoas. Não pese seus braços sobre meus ombros, chamando-me de meu bem. Não pese seus sonhos com minhas medidas, meu passo já é largo na direção oposta aos teus. Não pese meus ouvidos com suas palavras de culpa, não pese minha solidão com seu incômodo em viver a sua. Toma-me por teu e no instante seguinte eu serei completamente outro. Como a mulher-gorila em metamorfose: a incrível Monga.

Eu sei que algum dia sua paciência vai acabar e você observará a casa em chamas do lado de fora. Eu rezo por isso. Queime tudo, meu amor. Quem sabe as chamas te iluminem também. Eu queria que você soubesse que havia amor por toda parte, afeto em todas as pausas, verdade em toda a leveza que te pedia e te oferecia.

Mas não é isso o que você quer. Você quer meu corpo sobre o seu como um peso de papel, meu afeto sob o seu como a sombra de uma nuvem. Se quer algo para chamar de seu, voilà. Mas não peça a ninguém para carregar teus pesos. O que você quer, minha querida, ninguém pode te dar. Eu tentei ser contigo, não teu. Agora nem isso mais é possível. Não pese na minha saída.

Imagem de capa: Antonio Guillem/shutterstock







Escritor, publicitário e filho da dona Betânia. Criador do blog Palavra Crônica, vive em São Paulo de onde escreve sobre relacionamentos e cotidiano.