O que você banca? Será mesmo que banca ou apenas gostaria de bancar?
Essa é a pergunta secreta que Simone de Beauvoir não faz ao longo das 254 páginas do livro “A Mulher desiludida” (Editora Nova Fronteira), mas acaba nos incitando a respondê-la.
Os três contos (A idade da discrição, Monólogo e A mulher desiludida) apresentados no livro são narrados por mulheres que passam por crises em seus relacionamentos e que mergulham no sentimento de solidão e fracasso na tentativa de entender e resgatar suas identidades perdidas. Mulheres que experimentam a famosa “solidão a dois”.
A história que leva o título do livro, em si, não tem nenhuma originalidade: um homem de meia idade, uma mulher de meia idade e uma jovem atraente de trinta e poucos anos. Um triângulo amoroso.
Ele sente culpa por não conseguir deixar a mãe dos filhos, ela sente medo de perdê-lo porque já não sabe quem é sem ele – passou a vida se dedicando aos filhos e ao marido – e a amante cobra atenção e posicionamento.
Historinha batida que qualquer folhetim da TV Record apresenta ou que corremos o risco de viver na vida real quando nos deixamos levar por um sorriso de canto e um terno bem cortado.
Só que folhetim algum esfrega em nossa cara a pergunta: “você banca”?
Monique, a mulher traída, quis bancar. Fingir indiferença, acreditar que o marido precisava apenas de uma aventura. Maurice, o homem culpado, quis bancar a ideia de dois relacionamentos ao mesmo tempo, onde uma mulher tem consciência da existência da outra.
Nas palavras de Monique:
“Terminei cedendo. Já que adotei uma atitude conciliadora, compreensiva, devo restringir-me a ela. Não fazer-lhe frente. Se estrago sua aventura, ele a embelezará a distância, terá saudades. Se lhe permito vivê-la, como quer, até o fim, “corretamente”, sei que se cansará depressa”.
Em outro trecho:
“Todas as noites eu o chamo: não ele, o outro, aquele que me amava. E pergunto-me se não preferiria que estivesse morto. Eu me dizia: a morte é o único mal irreparável. Se ele me deixasse, eu ficaria curada. A morte era horrível por ser possível, a ruptura suportável, porque eu não a imaginava. Mas realmente, eu digo, se ele estivesse morto, eu saberia ao menos quem perdi e quem sou. Não sei mais nada. Minha vida, atrás de mim, desmoronou”.
Monique e Maurice tentaram viver “o ideal” e aos poucos se perderam de si. Porque o ideal não existe. Em certos casos o ideal só existe para nos fazer companhia, não para ser real. Porque o ideal, de verdade, não é o que imaginamos ser o melhor, mas o que aguentamos.
Para quem anda ultrapassando os próprios limites, tentando levar uma vida da qual não dá conta, tentando viver um personagem que não cai bem na própria pele – inclusive num casamento ou namoro fracassado – a leitura de “A mulher desiludida” é de grande valia.
Assim falou Beauvoir em “A mulher desiludida”:
“Em Maurice, como na maioria dos homens, dorme um adolescente não muito seguro de si”.
“Quando se viveu de tal maneira para os outros, é um pouco difícil começar a viver para si”.
“As mulheres que não fazem nada não suportam as que trabalham”.
“Os homens escolhem sempre o mais fácil”.
“Para conhecer suas limitações, seria necessário poder ultrapassá-las: é como saltar por cima da sua sombra”.
“Maurice não é um calhorda. É um homem acuado entre duas mulheres: ninguém é brilhante num caso assim”.
“Quando me entrego às obsessões minha inteligência não está mais disponível”.
“Quando se bate em uma pedra, sente-se primeiro o choque, a dor vem depois”.
“O telefone não reaproxima, confirma distâncias”.
“É tão exaustivo detestar alguém que se ama”.
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