Fabrício Carpinejar
Ninguém resiste a um sonhei com você.
“Sonhei com você” cria uma cumplicidade imediata, uma afinidade súbita. Mudamos o nosso olhar para a conversa e para o interlocutor.
Pode ser trova, pode ser chantagem emocional, mas é um recurso sedutor infalível.
No início da relação ou quando se é apenas amigo, o sonho é uma cantada que desperta a curiosidade.
Você procurará saber o que foi e o que estava fazendo no sonho de outra pessoa.
Mesmo os mais inteligentes e maduros, os mais céticos e descrentes, sucumbem à estratégia.
É um sinal claro de interesse e de disposição para começar algo, já que o inconsciente criou uma memória em comum, uma memória a dois.
Os homens, tarados por sua natureza, imaginam que são sonhos eróticos e crescem seu apelo pelo relato.
Não se dá muita chance quando alguém diz que pensou em você, mas quando diz que sonhou com você muda de figura e ganha toda a nossa atenção. O interrogatório do que aconteceu na mente alheia é inevitável.
Adere-se ao território das verdades secretas, aos símbolos do divã, à esfera mística das casualidades inexplicáveis.
Como contestar um sonho? Não tem como desmentir.
Nem criamos oposição. Queremos, no fundo, sermos sonhados, sermos conduzidos, receber sinais de anjos e de cupidos.
Na paixão, somos supersticiosos, somos místicos. Não marcamos encontros, abrimos cartas de tarô na alma.
Procuramos uma união que seja maior do que nossa força, que seja uma fatalidade, um destino agendado de vidas passadas.
Trata-se de uma facilidade sentimental, para não precisar justificar nossa escolha diante dos amigos e parentes. Pois foi o destino que definiu, não a gente, acabamos nos isentando de nossos gostos e predileções.
Se o sonho serve para estabelecer proximidade, o pesadelo é o elo para recuperar os laços.
Durante a separação, no momento em que perdeu o contato com o ex e a ex e não conta com pretexto para retomar o diálogo, o pesadelo vem como panaceia da saudade.
Do nada, pode mandar uma mensagem que sempre produzirá estrago: “Tive um pesadelo com você. Está bem?”
É óbvio que ganhará resposta. Pelo medo do castigo, da macumba e da maldição, e também porque não há como deixar uma preocupação sobre a saúde no vácuo.
Não perceberá que ela e ele procuram somente notícias de sua condição, é uma pescaria aleatória, com a meta de descobrir qual é o seu estágio de sofrimento.
O objetivo é de menos. O pressentimento, ainda que ruim, demonstra falta e indica uma forte ligação espiritual. Várias reconciliações se deram por um pesadelo falso ou verdadeiro. Não há como se indispor, ainda que a briga tenha sido épica e a ruptura justa.
O pesadelo é o habeas corpus do amor.
Originalmente publicado no Jornal Zero Hora
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