Sou assim, uma mistura exótica de medos infantis e coragens extraordinárias.

Tenho medo de tanta coisa boba, tenho fobias em situações que muitas pessoas dão risada e tiram de letra.

Por exemplo, tenho pavor de tirar sangue. Mesmo tentando controlar a ansiedade, quando sento naquela cadeira, cai a pressão, suo frio, viro só fragilidade.

Às vezes, pareço boneca de porcelana prestes a espatifar.

Mas, tantas outras vezes, sou pura coragem e ousadia.

Tenho coragem, por exemplo, de ouvir meu coração e transformar a minha vida por inteiro só para seguir uma paixão.

Tenho coragem de desapegar do que já não me faz bem, mesmo de um grande amor, mesmo de uma vida construída, eu abro as janelas da minha alma e deixo os novos ares me renovarem.

Tenho medo de viagens de avião, de turbulências, dos pousos naquelas pistas tão pequenas dos aeroportos das grandes capitais. Nessas horas, lembro das rezas que aprendi na infância, peço proteção aos deuses, deusas e orixás. Volto a acreditar em tudo que andei duvidando.

Mas, apesar disso, eu tenho coragem de despir minha alma, de tirar minhas máscaras e mostrar por aí as minhas fraquezas, as minhas dúvidas, os meus medos, de segurar na mão do desconhecido da poltrona do lado.

Tenho coragem de falar o que penso, de ser ridícula, ingênua, louca… Tenho coragem de expor minha vulnerabilidade feminina num mundo que presa e prega a lei da força, da luta e da estabilidade emocional masculina.

Eu tenho coragem de não acreditar nas verdades que o inconsciente coletivo coloca dentro da gente. Tenho coragem de ser mais emoção do que razão e de consultar minha intuição sempre para que essa força não se perca dentro de mim.

Tenho coragem de ouvir meu ritmo interno e de acreditar na poesia e não ser submissa de um trabalho, do dinheiro, de uma convenção social.

Isso porque, acima de tudo, eu tenho muito medo de perder a vida, de deixar ela passar por mim como uma segunda-feira cheia de burocracias e tarefas banais.

Eu ainda tenho que dizer, que tenho sim muito medo de altura, daquelas subidas longas, daquelas escadas loucas, se eu olho pra baixo, sinto tontura, parece que meu corpo flerta com a vontade de me jogar. Ai eu tremo.

Deve ser porque minha alma aérea tem as asas longas e abertas e nunca teve medo de se jogar nos precipícios do amor. Nunca teve medo de se arriscar em novas paisagens quando um sentimento forte a invade.
Enquanto meu corpo treme, minha alma se expande e ri da cara do proibido.

Tenho medo do mar, das ondas que me pegam desprevenida, das matas fechadas e desconhecidas. Mas não tenho medo de mergulhar de cabeça num sonho, de amar sempre e mais, de fazer morada em corações baldios e explorar almas fechadas e de natureza selvagem.

Tenho medo sim e não me arrisco a praticar esportes radicais. O meu corpo desastrado tende a cair, quebrar, desequilibrar.

Mas enquanto isso, sou toda coragem para viver sentimentos avassaladores, explorar minhas trilhas de dentro. Minha alma dança, faz acrobacias, nua e leve, samba nos sentimentos negativos, pinta careta nas invejas, quebra as pernas das competições.

Por tudo isso (e muito mais), sou assim, essas mistura exótica de medos infantis e coragens extraordinárias.

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Imagem de capa: Underwater photography by Trish Woodford







Clara Baccarin escreve poemas, prosas, letras de música, pensamentos e listas de supermercado. Apaixonada por arte, viagens e natureza, já morou em 3 países, hoje mora num pedaço de mato. Já foi professora, baby-sitter, garçonete, secretária, empresária... Hoje não desgruda mais das letras que são sua sina desde quando se conhece por gente. Formada em Letras, com mestrado em Estudos Literários, tem três livros publicados: o romance ‘Castelos Tropicais’, a coletânea de poemas ‘Instruções para Lavar a Alma’, e o livro de crônicas ‘Vibração e Descompasso’. Além disso, 13 de seus poemas foram musicados e estão no CD – ‘Lavar a Alma’.