Ana Macarini

A teimosia é origem de muitos sofrimentos

É muito comum confundir persistência com teimosia. A persistência é uma conquista gloriosa, que só a maturidade e a sabedoria podem garantir.

Já a teimosia é uma espécie de receita culinária que a gente já testou, testou de novo… mais uma vez, só para garantir, e não dá certo. Nunca vai dar certo! E, mesmo assim, a gente volta para a cozinha e insiste.

O teimoso gasta tempo, energia e oportunidades insistindo em situações que não vão dar em nada. Enfia na cabeça que quer exatamente aquela coisa e que vai conseguir tê-la ou conquistá-la, custe o que custar. E, em grande parte das vezes, paga caro, muito caro por supostas conquistas que não valem o esforço.

Essa energia da teima tem, em si mesma, uma substância e essência que podem e devem ser transformadas e revertidas em aprendizagens que nos façam enxergar além daquilo que nos despertou o desejo.

É preciso olhar com um pouquinho mais de atenção para o que nos aguça a vontade e a ânsia de possuir. Muitas vezes, estamos tentando aplacar uma carência afetiva, por exemplo, com metas pessoais inalcançáveis ou pouco saudáveis; ou ainda, estamos nos cercando de coisas além das nossas necessidades reais para fugir de questões internas que nos causam dor ou desconforto.

E fazemos o quê? Teimamos em empurrar os sentimentos para um cantinho da vida, onde eles não nos alcancem. Fingimos não perceber que há providências que só dependem da nossa disposição em despir a casca de “normalidade” e cavar para dentro, em busca do que realmente precisa ser alimentado, observado, curado.

É o caso, por exemplo, daquelas pessoas que cismam com a necessidade de comprar sapatos. O armário já conta com uma pequena coleção, sendo que muitos dos seus exemplares jamais saíram da caixa, nem mesmo para dar uma voltinha. E, provavelmente nunca sairão. Mesmo assim, a coleção não para de aumentar, com mais e mais sapatos… objetos comprados para aplacar um outro tipo de necessidade que o que se compra com dinheiro não será capaz de suprir.

Há também a chance dessa carência ser desviada para a teimosia em permanecer em relacionamentos que são unilaterais, exigindo daquele que ama sozinho uma empreitada insólita na busca para fazer dar certo, algo que para ter alguma chance de sucesso, depende do envolvimento de dois, já que ali há supostamente um casal.

No caso dos amores não correspondidos, essa teima pode ter o custo, também abusivo, de uma autoestima ralada até os ossos, de uma postura subserviente e anulada. Cada vez mais fragilizada, a pessoa presta-se de forma insistente à tarefa de nutrir uma relação sem futuro, mesmos estando afetivamente desnutrida.

Ser teimoso é viver à serviço do lado negro da perseverança. A teimosia coloca a pessoa refém de suas convicções; isolada em seu apego às próprias ideias ela não consegue enxergar limites, saídas ou outras oportunidades.

A teimosia é origem de muitos sofrimentos, justamente porque impede o indivíduo de entrar em contato com a possibilidade de falhar, voltar atrás ou mudar de opinião. Ao insistir num único padrão de resposta, refuta-se a oportunidade de transformar padrões de comportamento, que podem estar sendo a causa de uma vida reduzida a uma voz em eco, que não possibilita aos outros entrarem em contato, e confinam a pessoa numa espécie de birra eterna.

A raiz da teimosia pode estar relacionada ao medo de perder o controle e à insegurança nas próprias habilidades. A cura para a teimosia nem sempre é fácil. No entanto, quando alcançada, revela ao antigo cabeça-dura um mundo novo de possibilidades que dependem da evolução emocional, nascida do desapego ao óbvio e familiar. E esse desprender-se é o início para a libertação e a nova condição encantadora de conhecer-se sob outro ângulo e vislumbrar saídas, antes encobertas pela poeira da teimosia.

Imagem de capa meramente ilustrativa: cena de Grey’s Anatomy

Ana Macarini

"Ana Macarini é Psicopedagoga e Mestre em Disfunções de Leitura e Escrita. Acredita que todas as palavras têm vida e, exatamente por isso, possuem a capacidade mágica de serem ressignificadas a partir dos olhos de quem as lê!"

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