Por que exigimos dos outros o que não fazemos?

A minha inspiração veio de uma frase muito espirituosa, vinda de uma amiga bastante espirituosa também. Em meio ao barulho feito pelas manifestações contra o governo federal, ela postou uma frase mais ou menos assim: “Vai falar o que da presidente se você não paga ninguém né?”

A postagem fez muito sucesso e então eu convido vocês a observarem e refletirem comigo sobre um comportamento muito visto na nossa sociedade. Quem já trabalhou no comercio percebe que existem pessoas que não se preocupam muito em cumprir seus compromissos financeiros, não se organizam e nem fazem muita questão de pagar suas contas. Além disso, algumas dessas pessoas – sabe-se lá porque – se acham no direito de se ofender quando são  cobradas. Vejam que inversão de valores: além de descumprirem o que foi acordado no momento da compra, ainda se sentem lesadas, chegando a agredir quem solicita o direito de receber.

Lidar com dinheiro é o reflexo de como lidamos com todos os outros aspectos da nossa vida. Organizar os gastos em tempos tão difíceis deve ser prioridade; é preciso ter atenção ao cumprimento de todas as nossas obrigações. Sempre percebi todos nós brasileiros, como um povo muito propenso a se fazer de vítima. Temos o péssimo hábito de não fazer a nossa parte e, se não fazemos, não podemos exigir do outro o mesmo, certo?

Lutar contra a corrupção, contra o roubo do dinheiro público, contra o atraso e não pagamento dos salários de servidores públicos é obrigação da sociedade; porém, quando essa mesma sociedade (nós) deixamos de pagar nossas contas e achamos errado que nos cobrem, perdemos o direito de reivindicar isso dos governantes. Já escrevi sobre isso outras vezes, porém é sempre bom lembrar que somos modelos para os nossos filhos e para as futuras gerações. Em pequenos e descuidados hábitos, acabamos por ensinar os pequenos que não existe obrigação nenhuma em pagar, porém, fazemos muita questão de cobrar quem nos deve. Isso vai obrigatoriamente passar a eles uma mensagem de hipocrisia e irresponsabilidade.

Percebam que as relações são sempre uma via de duas mãos, e devemos ter o mesmo padrão de comportamento quando diz respeito a nós mesmos e aos outros. É vergonhoso dever, não poder pagar – e exatamente por isso é necessário ter cautela sobre quando, sobre o que comprar e sobre assumir dívidas futuras. Economistas e psicólogos costumam alertar sobre o descontrole com os gastos, principalmente pelo aumento de casos de compradores compulsivos. No Brasil é possível comprar sem que se tenha que pagar mais de dez por cento do valor total do produto, isso facilita o descompromisso. Antes de comprar, pergunte-se se o valor poderá ser pago, leve em conta as suas despesas fixas. Noventa por cento das dívidas não pagas vem da compra de gêneros de pouca necessidade – ou seja – não se tratam de comida, remédios e similares. E são exatamente nesses casos que observamos a agressão ao credor quando este precisa receber pelo produto ou serviço.

O credor precisa receber, não é direito nosso nos ofendermos pela cobrança de uma dívida nem tampouco agredirmos por isso. Temos que enfrentar, dialogar e buscar uma saída que seja justa para ambos. Se incomodar e se preocupar com uma dívida é um comportamento cultural passado de geração para geração. Muitas pessoas são criadas aprendendo a nunca dever a ninguém e sem nunca terem visto seus pais deixando de pagar uma dívida, por isso, se envergonham e jamais suportariam não cumprir com um compromisso desse tipo. Vamos construir uma sociedade melhor, começando por nós mesmos. Se não pagamos ninguém, não temos direito de cobrar ninguém, nem quem nos deve, nem quem rouba dinheiro público. Isso caracteriza um desajuste social nocivo a nós mesmos e a consequência disso é a contravenção sem limites, sem respeito e sem punição.

Vale lembrar, como já orientei em outros textos que a compra compulsiva é um transtorno e precisa ser tratado através de acompanhamento psicológico e psiquiátrico. Em contrapartida, a obrigação em pagar o que devemos é uma questão de caráter e de respeito.

 

Viviane Battistella

Psicóloga, psicoterapeuta, especialista em comportamento humano. Escritora. Apaixonada por gente. Amante da música e da literatura...

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Viviane Battistella

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