Antigamente, as famílias eram mais numerosas, em termos dos locais que frequento, onde vivo. Meus pais, por exemplo, tiveram seis filhos e somos vários tios e primos. Já a geração de sobrinhos diminuiu bastante. Isso quer dizer que a gente crescia sendo forçado a dividir.
A minha primeira bicicleta, eu herdei de uma irmã mais velha. Os livros da escola, roupas, uniformes, brinquedos, quase tudo eu herdava, porque sou o caçula. Tínhamos que dividir o banho, os programas de televisão, a ida ao cinema, o lanche, o carro, os bifes, os espaços da casa. Aprendi, assim, a compartilhar sem dramas. Meu pai comprou um violão e três de nós fomos aprender o mesmo instrumento. Meu piano só chegou quando eu pude ajudar a minha mãe a pagar, com a bolsa de iniciação científica da faculdade.
Imagina sair com seis filhos, quanto meu pai iria gastar? Pouquíssimas vezes fomos almoçar fora e somente viajamos à praia duas vezes, todos juntos. Hotel? Nunca nem víamos. Prioridade era educação escolar – meu pai nunca se negou a pagar pelos estudos dos filhos, nisso ele jamais economizou. Eu cresci sabendo bem a minha ordem na fila da vida e a importância que os valores éticos têm sobre as demais coisas. E era assim com a maioria dos amigos da minha época: raramente havia alguém que era filho único.
Hoje, há uma profusão de filhos únicos e, baseando-me na minha experiência com meu único rebento, noto que essa exclusividade acaba tolhendo dele oportunidades de treinar o esperar, o não poder, o herdar. Logicamente, a gente tenta não dar tudo, não comprar tudo, nem fazer todas as vontades do filho, mas ele sempre vai ter a certeza de que será o primeiro a obter algo dos pais. A questão da divisão, nesse contexto, acaba prejudicada. A gente ensina e fala, mas nada se compara ao aprendizado que a experiência na própria pele provoca.
Não vou afirmar ser isso a causa principal do egoísmo que permeia as novas gerações, mas que é um determinante razoável, isso é. Eu convivo com adolescentes e percebo que a muitos lhes falta essa prática de se enxergar como parte de um todo, como alguém que não vive sozinho e, portanto, não pode fazer o que quiser da vida. Há muita dificuldade em se enxergar o outro, que dirá se colocar no lugar do outro. E isso eu posso comprovar cada vez que passeio pelas redes sociais e leio os comentários pelas páginas de lá. Muitas pessoas discursam ódio, raiva, sem qualquer traço de empatia e de tolerância para discutir civilizadamente com quem pensa do modo contrário, com quem discorda. Tudo é levado para o lado pessoal, de maneira infantil e, na maioria das vezes, agressiva.
Há que se atentar para isso, urgentemente, no sentido de se resgatarem princípios mínimos de convivência, ou tudo vai desandar de vez, porque o que se vê é inadmissível, inaceitável. Viver em grupo requer conscientizar-se do alcance do que se fala e se faz. Infelizmente, tem gente que só vai entender o que é ferrar com o emocional do outro quando lhe jogarem essa dor de volta. Muitos, nem isso. Por essa razão é que tem tanta gente tentando justificar falta de empatia, enquanto fica orbitando em volta do próprio umbigo. Lamentável.
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