Conheço gente que tem o maior orgulho de conhecer o mundo todo mas não tem a menor ideia de quem seja o seu vizinho. Gente que esteve em dezenas de países, visitou ilhas remotas, nadou em mares longínquos e nunca viu a cara do sujeito que habita o apartamento ao lado.
Nada contra o turista que coleciona carimbos em seu passaporte e os exibe como troféus. É um direito dele. Como também é seu direito esbanjar conhecimento sobre lugares insuspeitados, destinos curiosos e anotações de viajante. Adoro ouvir relatos do tipo, faço perguntas, demonstro interesse, agradeço as informações. Nada contra.
Viajar até a esquina ou para onde Judas perdeu as botas é sempre excitante, inspirador, educativo. Bem aproveitada, uma viagem transforma o viajante. Eu só acho que a gente devia voltar para casa melhores do que quando saímos. Transformados para melhor. Não piorados, indiferentes ou convencidos de uma pretensa importância atribuída somente a pessoas “viajadas”.
Tem gente por aí que retorna de uma viagem em estado de enfezamento franco, mergulhada em mau humor e irritação, culpando pelo fim de suas férias os colegas, a rotina, as obrigações diárias, as mazelas do terceiro mundo.
Até a hora de viajar de novo, alguns gênios fazem de seus dias “normais” um verdadeiro inferno. Maltratam pessoas, brigam, buzinam, reclamam, desviam o olhar quando cruzam os vizinhos.
Decerto imaginam que assim, piorando a própria vida e a dos outros, desprezando os dias infinitos que ficam entre uma viagem e outra, torcendo penosamente para que cheguem logo as próximas férias, potencializem o prazer do instante de largar tudo e embarcar de novo, reconciliados com o mundo, orgulhosos de sua condição de turistas e do limite de seu cartão de crédito. Com todo o respeito, essa gente não entendeu nada.
Eu prefiro os viajantes humildes, curiosos e simples. Almas sensíveis que absorvem a tudo feito esponjas, estrangeiros que apreendem o que os sentidos possam tocar. Inclusive quando não estão viajando. Seres que fazem as malas e pegam a estrada para viver mais e viver melhor, não apenas para mostrar as fotos do lugar onde estiveram. A quem queira ouvir suas aventuras e recomendações, falam porque são generosos e não porque precisam impor, exibidos, o tamanho de seu programa de milhagem.
Viajantes sublimes desembarcam em outros cantos com o olhar atento e o coração aberto. Chegam mudando as regras, arrebentam barreiras de timidez, medo, preconceito. Na partida, deixam uma saudade imensa e uma promessa certa. Um dia voltam.
E quando se veem de novo em casa, a bagagem carregada e o coração repleto, assimilam tudo aos poucos, no sono, no recomeço, no dia depois do outro. Melhores como pessoas, caminhantes honestos, fazendo da vida mesma uma viagem exuberante, encantadora. Vivendo em permanente estado de descoberta.
Em geral, esse tipo de viajante vê na figura exótica de um país distante ou no vizinho da casa ao lado a mesma mágica: os dois guardam em si mesmos um mundo inteiro, à espera de novas visitas. No canto oposto do planeta ou no lado de lá da rua, toda pessoa é um destino que vale a pena visitar.
Façamos as malas, as reservas, o check-in. Façamos fotos, anotações, roteiros. Façamos compras e até extravagâncias aqui e ali. Façamos tudo isso e muito mais. Mas façamos as pazes. Primeiro deixemos de coisa e façamos as pazes.