Por Patrícia Dantas
Existe uma frase que anda colada em mim e costumo falar e repetir infindavelmente – “temos que fazer mais vezes” – quando algo transborda tal qual nosso olhar ao topo de uma montanha para uma paisagem deslumbrante. Digo isto para tudo que faz meus sentidos valerem a pena. É a confissão de um desejo insaciável.
É quando algo mágico acontece e nos toma por completo, quando o céu que nos pertence não tem limites. É quando também não desejamos fugir, nem escapar, nem sair tão cedo, mas permanecer, até sermos absorvidos em cada fibra, sem nada mais restar, só o contentamento de um prazer profundo.
Volto o rosto a mim, como uma espécie de Agatha Christie investigativa, misteriosa, provocante, atrás de desvendar outros gostos que atiçam todos os dias minhas vontades e fazem com que eu os busque e arraste de lugares até então intactos dentro de mim. Vão surgindo como aparições da mais fina arte surrealista.
Um trigal do pintor Van Gogh! Minhas aparições não têm limites, possuem escapadelas que faríamos um edifício de sombras borradas e coloridas, de tão cheias do viço da vida, pois elas sempre necessitam da urgência de existir, de tornarem-se reais à medida que realizam suas transgressões divinas em meu tocável interior.
Vou pisando nos trigais voluptuosos e encantadores como a primavera ardendo dentro dos olhos de tão fresca, piso fundo a cada passo, sinto os pés talhando o chão firme, desenhando finas esculturas atrás do rastro afoito, um estilo único de se traçar diante da própria personalidade – um desenho de mim inventado, invertido, transgressor.
Tenho ainda necessidades quase alheias, vindas de observações e percepções que não me pertencem até meus olhos tecerem suas insinuações nebulosas. São experiências profundas que podem partir de uma música, uma leitura, uma viagem, um olhar para outra pessoa. É algo que desperta diante de uma situação. Um acendedor de luz no meio da cabeça. E eu sigo, não gosto de me desprender de uma força tão brutal.
Quando li Florbela Espanca pela primeira vez, não pude acreditar como era possível alguém descrever tão bem os sentimentos mais crueis que consomem e dão criatividade, para o bem ou para o mal. Ela escrevia o que sentia, admitia o que quase ninguém ousaria levar debaixo do braço para qualquer um degustar a sangue frio.
E Virgínia Woolf, sobre a liberdade feminina? Como tecer romances tão bem quando não se é permitido, quando não se pode usufruir de uma liberdade completa? Quando uma época tolhe, vasculha, espia por entre frestas para encontrar algo que condene o que foi dito? Não teve jeito, ela escreveu com toda força e mostrou que o poder vai além do corpo, está muito mais incrustado em uma alma libertadora e indomável.
E Clarice Lispector, com suas inquietações incomuns, a vontade que dá é seguir viagem junto e entrar em suas águas complexas e cristalinas, o olho mágico do ser? A lista de leituras que gostaria de repetir é extensa, sem contar o novo que sempre está à espera.
Somos tomados pelas grandes empolgações do inusitado, pelo total embriagamento dos sentidos, pelos pequenos e grandes prazeres. Tudo que podemos sim fazer mais vezes! E por que não?
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